Repercussões da Covid-19 para o enfrentamento da
violência doméstica por governos, instituições e profissionais: scoping review
Repercussions of
COVID-19 on the addressing domestic violence by governments,
institutions and professionals: scoping review
Juliana Guimarães e Silva |
Adriano da Costa Belarmino |
Universidade Federal do Ceará - Brasil |
Universidade Estadual do Ceará - Brasil |
Douglas Mateus da Silva |
Antonio Rodrigues Ferreira Júnior |
Universidade Federal de Lavras - Brasil |
Universidade Estadual do Ceará - Brasil |
Recebido: 29-12-2023
Aceito: 20-05-2024
Resumo
O estudo em questão é uma revisão de
escopo em que buscou-se identificar os estudos que avaliam as repercussões da
COVID-19 nas decisões de políticas de saúde tomadas pelos governos,
instituições e profissionais para o enfrentamento da Violência Doméstica e
Familiar Contra a Mulher (VDFCM) durante os dois primeiros anos de pandemia.
Foram consultados os bancos de dados da MEDLINE, Web of Science,
LILACS e Embase, e incluídos artigos publicados entre janeiro de 2020 e
dezembro de 2021, em que 18 foram submetidos à apreciação deste escopo. Foi
possível identificar esforços para o enfrentamento da VDFCM nos dois primeiros
anos de pandemia, embora cada país tenha instituído ações específicas, conforme
as realidades locais, as possibilidades econômicas e os acordos políticos.
Palavras-chave: COVID-19, violência doméstica, políticas de saúde, tomada
de decisões, violência contra a mulher, violência baseada em gênero.
Abstract
This study is a scoping
review in which we seek to identify
studies that evaluate the repercussions
of COVID-19 on health policy decisions
taken by governments, institutions and professionals to combat Domestic and Family Violence
Against Women (VDFCM) during the first
two years of the pandemic.
The MEDLINE, Web of Science, LILACS and Embase databases were consulted, including articles published between January 2020 and December 2021, in which 18 were submitted
for consideration of this scope. It is possible to identify efforts to combat VDFCM in the first years of
the pandemic, since each country instituted specific actions, according to local realities, economic possibilities and political agreements.
Keywords: COVID-19, domestic violence, health policies, decision making, violence against women, gender-based violence.
1. Introdução
A violência contra as mulheres se constitui em uma das
principais formas de violação dos seus direitos humanos, a exemplo do direito à
vida, à saúde e à integridade física e afeta o seu acesso a outros direitos.
Ancora-se nas estruturas sociais e de gênero, nas quais se estabelece como
forma de controle do feminino que atravessa a história e as questões sociais
(UN, 2020a).
A violência contra a mulher se impõe como um problema
para a Saúde Pública, especialmente, quando se intensifica por questões
sanitárias, a exemplo da pandemia de COVID-19. Sobrepõe-se ainda o fato de que,
extrapolando os aspectos relacionados à saúde, a
COVID-19 se coloca como um problema social complexo de grande magnitude (Hernández-Bello e
Agudelo-londoño, 2021).
Ensaia-se aqui o desenho de um cenário de exacerbação dos
índices de violência baseada no gênero, passados mais de dois anos do início da
pandemia e da instituição das medidas de isolamento social. Vale ressaltar que
o recrudescimento da violência de gênero, manifesto na violência doméstica, não
é exclusivamente brasileiro (UN, 2020a).
O relatório The Impact of COVID-19 on Women indica um aumento da
violência baseada no gênero e, por sua vez, da VDFCM já no início do período
pandêmico e de confinamento - março a junho de 2020 (UN, 2020b). Na
França se observa o incremento de 30% nos relatos da violência de gênero. Em
países como Alemanha, Canadá, Reino Unido, Espanha e Estados Unidos aumentaram
não somente os casos de violência, como a busca de abrigos de emergência por
parte das vítimas. Na Argentina, em função do isolamento, os pedidos de
emergência para os casos de violência doméstica se intensificaram em 25% (Ibídem).
No Brasil, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
mostram que 1 em cada 4 mulheres com idade superior a 16 anos sofreu algum tipo
de violência nos últimos 12 meses, durante a pandemia (24%). Cerca de 17
milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual; 13
milhões (18,6%) relataram ofensa verbal, insultos e injúrias; 4,3 milhões
(6,3%) sofreram agressões físicas com tapas, chutes e socos; 5,9 milhões (8,5%)
sofreram ameaças de violência física; 3,7 milhões (5,4%) sofreram ofensas
sexuais ou tentativas forçadas para manter relações sexuais; 2,1 milhões de
mulheres (3,1%) foram ameaçadas com arma branca ou arma de fogo e 1,6 (2,4%)
foram espancadas ou sofreram tentativas de estrangulamento. O espaço doméstico
foi relatado por 48,8% das mulheres como o local em que sofreram a violência
mais grave (FBSP, 2020).
Ressalta-se que as mulheres não são um grupo homogêneo,
sobretudo, em contextos de intensas desigualdades sociais, como é o caso do
Brasil. Destaca-se que são as mulheres pretas (28,3%) e pardas (24,6%) que
experimentam níveis mais elevados de violência. Para as mulheres brancas essa
proporção é de 23,5% (FBSP, 2020). Deste modo, durante a pandemia de COVID-19,
a violência doméstica suscita das políticas sociais, entre estas as políticas
em saúde, respostas rápidas de enfrentamento e proteção a mulheres e crianças.
Sabe-se que no período pandêmico os serviços de atenção às pessoas em situação
de violência e demais serviços, precisaram se adaptar rapidamente para atuar à
realidade imposta pelo distanciamento e isolamento social e aperfeiçoar seus
canais de escuta, registro e intervenção.
Ressaltamos que mesmo após quatro anos da pandemia de
COVID-19, a VDFCM continua como uma grave problemática social, de saúde pública
e que infringe os direitos fundamentais da mulher, de igualdade de gênero e
justiça social preconizados pela agenda dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentáveis das Nações Unidas para progresso da sociedade e que necessita de
medidas de enfrentamento e políticas públicas para proteção (ONU, 2015).
Neste cenário, este estudo tem como objetivo identificar
e mapear as pesquisas que avaliam as repercussões da COVID-19 nas decisões de
políticas de saúde tomadas pelos governos, instituições e profissionais para o
enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres durante os dois
primeiros anos da pandemia.
A revisão de escopo foi o método escolhido para
viabilizar a exploração das descobertas disponíveis na literatura de forma
ampla por meio de uma abordagem sistemática (Joanna Briggs Institute Reviwers, 2015). No período pandêmico, em seus dois
primeiros anos, no qual as políticas públicas se encontram na pauta de
discussão para dar respostas rápidas às demandas geradas, esse tipo de estudo
se faz relevante para fornecer uma visão geral acerca deste tema sem, necessariamente,
analisar criticamente o rigor metodológico dos resultados encontrados.
A operacionalização da revisão de escopo se dá em cinco
fases:
(i) elaboração da questão de pesquisa;
(ii) identificação dos estudos
relevantes;
(iii) seleção e inclusão de
estudos;
(iv) organização dos dados; e
(v) coleta, síntese e apresentação de resultados (Joanna Briggs Institute
Reviwers, 2015; Arksey e
O’Malley, 2005).
A revisão aqui apresentada abordou a seguinte questão de
pesquisa: quais as repercussões da COVID-19 sobre as decisões de políticas de
saúde tomadas pelos governos, instituições e profissionais para o enfrentamento
da violência doméstica contra as mulheres estão sendo relatadas na literatura?
O protocolo de revisão foi elaborado a partir da estratégia PCC – População,
Conceito e Contexto - de acordo com a preconização do Instituto Joanna Briggs (The Joanna Briggs
Institute, 2015), conforme quadro a seguir:
Quadro
1. Mnemônico PCC no protocolo da revisão, 2023
P |
Sujeitos envolvidos nas decisões de políticas de saúde: profissionais de
saúde, gestores e políticos de todas as esferas nacionais e internacionais. |
C |
Tomada de decisão para políticas de saúde de enfrentamento da violência
doméstica e familiar contra as mulheres. |
C |
Pandemia da COVID-19. |
Fonte: elaboração dos autores.
O protocolo foi
construído em 02 de setembro de 2021 e auditado em 07 de setembro de 2021. A
coleta foi realizada de forma independente por dois pesquisadores.
Os bancos de dados utilizados para identificar os estudos
foram: Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE) acessado via PubMed, Web of Science (WoS), Scopus, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências
da Saúde (LILACS) e Embase, acessado via Elsevier.
Os descritores escolhidos para compor a estratégia de
busca foram identificados no Medical Subject Headings (MeSH) e os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), para adequação às bases de dados utilizadas nas
buscas dos artigos. Mediante os termos selecionados, a estratégia de busca foi:
(“Decision making” AND “Health policy” AND “Domestic violence” OR “Violence against women” OR “Gender-based violence” OR “Intimate partner violence” AND
“COVID-19”).
Os critérios de inclusão considerados para a busca da literatura
nas bases de dados citadas foram os artigos publicados nos dois primeiros anos
da pandemia de COVID-19 - janeiro de 2020 até dezembro de 2021- e redigidos em
inglês, espanhol, português, francês, mandarim, alemão e árabe. Foram excluídos
os estudos sem relação direta com as tomadas de decisões de políticas de saúde
pelos governos, instituições e profissionais direcionadas ao enfrentamento da
VDFCM em tempos de COVID-19.
O gerenciador de referências Endnote Web® foi utilizado para armazenar e organizar os artigos
encontrados na busca. A extração das informações e a análise descritiva inicial
foi efetuada mediante a aplicação de um instrumento elaborado pelos autores
constituído por: características gerais dos estudos (referência, ano, título,
região/país de origem, periódico de publicação), conforme Quadro 2, e
características específicas como objetivo, método, resultados e principais
descobertas, que se encontram descritas no Quadro 3.
Nos resultados focou-se na apresentação das principais
repercussões da COVID-19 nas decisões de políticas de saúde nas esferas
governamentais, institucionais e profissionais para o enfrentamento da
violência doméstica contra as mulheres.
Quadro
2. Descrição dos estudos da amostra nas variáveis
Referência/ano,
Título, Região/país de origem e Período de publicação, 2023
Nº |
Referência/ano |
Título |
Região/país de origem |
Periódico de publicação |
1 |
Brink et
al. (2021) |
Intimate partner
violence during the COVID-19 pandemic in
Western and Southern European
countries. |
Europa |
European Journal
of Public Health |
2 |
Ertan et
al. (2020) |
COVID-19: urgency
for distancing from domestic violence. |
Europa |
European Journal
of Psychotraumatology |
3 |
Marques et
al. (2020) |
Violence against
women, children, and adolescents during the COVID-19 pandemic: overview, contributing factors, and mitigating measures. |
Brasil |
Cadernos de Saúde Pública |
4 |
Moffitt et al.
(2020) |
Intimate partner violence and COVID-19 in rural,
remote, and northern Canada: relationship, vulnerability and risk. |
Canadá |
Journal of Family
Violence |
5 |
Nabukeera (2021) |
Prevention and response to gender-based violence (GBV) during novel COVID-19 lock-down
in Uganda. |
Uganda |
The Journal of Adult Protection |
6 |
Pearson et al.
(2021) |
Emerging responses implemented
to prevent and respond to violence against women and children in WHO European member states during the COVID-19 pandemic: a scoping review of online media reports. |
Europa |
BMJ
Open |
7 |
Polischuk e Fay (2020) |
Administrative Response to Consequences of COVID-19 Emergency Responses: Observations
and Implications From Gender-Based Violence in Argentina. |
Argentina |
American Review of Public Administration |
8 |
Ruiz-Pérez
e Pastor-Moreno (2021) |
Medidas
de contención de la violencia
de género durante la pandemia de COVID-19. |
Espanha |
Gaceta Sanitaria |
9 |
Slakoff, Aujla e Moog (2020) |
The role of service providers, technology, and mass media when home isn’t safe for intimate partner violence victims: best practices and recommendations
in the era of COVID-19
and beyond. |
Estados
Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália |
Archives of Sexual Behavior |
10 |
Tochie et al.
(2020) |
Intimate partner violence during the confinement period of the
COVID-19 pandemic: exploring
the French and Cameroonian public health policies. |
França
e Camarões |
The Pan African Medical Journal |
11 |
Vives-Cases
et al. (2021) |
Coping with intimate partner violence and the COVID-19 lockdown: The perspectives of service professionals
in Spain. |
Espanha |
Plos One |
12 |
Walters (2020) |
COVID‐19 shelter‐at‐home orders: impacts and policy responses in the Context of
Intimate Partner Violence. |
Estados
Unidos |
World Medical e Health Policy |
13 |
Meinhart et al. (2021) |
Gender‑based violence and infectious disease in humanitarian settings: lessons learned from Ebola, Zika,
and COVID‑19 to inform syndemic
policy making |
Estados
Unidos |
BMC
Conflict and Health |
14 |
Fornari et al.
(2021) |
Domestic violence against women amidst the pandemic:
coping strategies disseminated by digital media |
Brasil |
Revista
Brasileira de Enfermagem |
15 |
Gulesci, Puente–Beccar, Ubfal (2021) |
Can
youth empowerment programs reduce violence against girls during the COVID-19 pandemic? |
Bolívia |
Journal of Development
Economics |
16 |
Suga
(2021) |
Protecting women: new domestic violence countermeasures for COVID-19
in Japan |
Japão |
Sexual
and Reproductive Health Matters |
17 |
Sharma et al.
(2021) |
Mitigating gender-based violence risk in the context of
COVID-19: lessons from humanitarian crises |
Estados
Unidos |
BMJ
Global Health |
18 |
Guarino
(2021) |
Innovative Strategies to Facilitate Safe Assessment and Intervention for Intimate Partner Violence During a Pandemic and Beyond |
Estados
Unidos |
Nursing for Women’s Health |
Fonte: elaboração dos autores.
Quadro
3. Descrição dos estudos da amostra nas variáveis
Objetivo,
Método, Resultados e Principais descobertas, 2023
Nº |
Objetivo |
Método |
Resultados |
Principais descobertas |
1 |
Mapear sistematicamente a IPV e as ações de prevenção
e respostas nos países da Europa Ocidental e do Sul desde o início da
pandemia. |
Revisão sistemática. |
Os países implementaram como medidas para
prevenir e responder à IPV desde o início da pandemia: manuais para
sobreviventes e profissionais de saúde, apoio online e linha de apoio,
financiamento adicional para os serviços e alojamentos alternativos, palavra
código para alertar profissionais dos serviços, policiamento comunitária |
As medidas mais comuns para reduzir o
impacto da IPV tomadas no início da pandemia foram as campanhas de
sensibilização, a criação de linhas de apoio, a criação de mais fundos para
alojamento e apoio alternativos e a utilização de palavra-código (Masker-19).
Ocorreu ampliação das linhas de apoio em 6 dos 11 países pesquisados. |
2 |
Descreve medidas preventivas e planos de
ação para combater a violência contra mulheres e crianças durante a pandemia
da COVID-19. |
Revisão narrativa. |
Governos e organizações sem fins lucrativos
tomaram medidas para combater a violência doméstica durante os períodos de
bloqueio. Os programas de ação e políticas foram amplamente implementados em
países com elevado poder econômico. Os países de baixos rendimentos não
abordaram esta questão e não tomaram quaisquer medidas devido ao seu orçamento
e recursos limitados. |
A pandemia da COVID-19 aponta as limitações
das medidas preventivas existentes contra a violência doméstica que requer
campanhas de prevenção a nível mundial. Destaca a necessidade de promover e
aumentar as políticas de ação para prevenir a violência doméstica nos países
que considerem o rastreio de dados. |
3 |
Discutir o panorama, motivações e formas de
enfrentamento da violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos
de pandemia. |
Ensaio teórico. |
A pandemia ampliou a vulnerabilidade de
mulheres à violência doméstica. |
Os materiais instrucionais
desenvolvimentos por governos e outras instituições acerca de atividades do
cotidiano familiar podem auxiliar a minorar a violência contra a mulher
durante a pandemia. |
4 |
Identificar
o impacto da COVID-19 nas mulheres em situação de violência parceiro em áreas
rurais remotas. |
Ensaio
teórico. |
Há
diversas barreiras pessoais, culturais e geográficas que dificultam a
denúncia de violência por parceiro íntimo em comunidades rurais remotas. |
O
foco das políticas públicas deve estar na ampliação do acesso das mulheres a
abrigos, habitações transitórias e serviços de telefone e internet. |
5 |
Compreender os desafios
relacionados ao combate à violência de gênero durante o lockdown
em Uganda. |
Estudo
documental com análise de documentos oficiais que tratam da prevenção e
enfrentamento da violência de gênero. |
A
COVID-19 trouxe maiores desafios para o enfrentamento da violência contra a
mulher, especialmente em locais de difícil acesso. |
O
governo precisa implementar ações para as mulheres em situação de violência
como segurança alimentar e transporte para facilitar acesso aos serviços de
saúde. |
6 |
Explorar
as estratégias que governos e organizações da sociedade civil implementaram
para prevenir e responder ao aumento previsto da violência contra mulheres
e/ou crianças durante a pandemia da COVID-19. |
Revisão
de escopo a partir de mídias online. |
Dos
53 países estudados, 52 implementaram ao menos uma ação para prevenir a
violência contra mulheres e crianças durante a pandemia. Em 50 houve ação do
Estado e em 40 ocorreram também ações protagônicas
da sociedade civil. |
O
uso de mídias sociais deve ser aproveitado para ampliar a conscientização
acerca da violência contra as mulheres e crianças. |
7 |
Descrever a resposta
governamental multinível na Argentina para enfrentar a violência de gênero
durante a primeiro mês de ordem obrigatória de permanência em casa em meio à
pandemia de COVID-19 de 2020. |
Ensaio
teórico. |
O
aumento dos casos de violência doméstica na pandemia exige resposta do poder
público. |
A
resposta do governo deve ser multinível e intersetorial
para proteger as mulheres. |
8 |
Analisar
as medidas adotadas pelo governo da Espanha, os governos autônomos e as
iniciativas formuladas em diferentes países para minorar os efeitos da
COVID-19 na violência de gênero. |
Estudo
documental acerca das ações de enfrentamento da violência de gênero pelo
governo nacional e subnacionais da Espanha durante
a pandemia da COVID-19. |
A
emergência social e sanitária vivenciada atualmente denotou a fragilidade de
alguns serviços básicos que ajudariam no enfrentamento da violência de
gênero. |
Os
profissionais de saúde têm sido fundamentais no combate à violência de
gênero, especialmente no uso de legislações vigentes de proteção da
integridade das mulheres. |
9 |
Descrever as melhores práticas
para prestadores de serviços sociais durante e após o COVID-19 no
enfrentamento da violência doméstica. |
Estudo
documental a partir de jornais de notícias nacionais em quatro países. |
O
papel da mídia se destaca na educação do público sobre Violência por Parceiro
Íntimo, especialmente no contexto da pandemia por COVID-19. |
Os prestadores de serviços de
todas as áreas devem atentar para desenvolver ações de prevenção da violência
doméstica e devem contar com a mídia como ferramenta para facilitar o acesso
das pessoas |
10 |
Destacar
os efeitos da violência por parceiro íntimo devido ao confinamento por
COVID-19 na França e discutir qual pode ser o efeito de uma implementação de
uma lei de confinamento por COVID-19 em Camarões. |
Ensaio
teórico. |
A violência entre parceiros
íntimos tornou-se uma consequência não intencional da política de ficar em
casa contra a COVID-19. |
As
mulheres devem ser encorajadas a denunciar as situações de violência que
vivenciam. A triagem de rotina realizada por profissionais da saúde na busca
de mulheres em situação de violência deve ser realizada com o uso de
instrumentos validados. |
11 |
Analisar o impacto do
confinamento por COVID-19 na Violência por Parceiro Íntimo e a perspectiva de
profissionais de diversos setores. |
Estudo
qualitativo com 43 profissionais, por meio de entrevistas semiestruturadas. |
As
medidas de mitigação da pandemia tiveram impacto negativo para as mulheres em
situação de violência, bem como para os profissionais que as atendem. |
Há
necessidade de investimento em recursos humanos e materiais; uma rede de
coordenação eficiente entre os profissionais de diferentes setores;
existência de redes informais de apoio na comunidade; protocolos/
procedimentos e treinamento prévio para melhor implementação; e maior
flexibilidade e acessibilidade aos serviços básicos que beneficiam as
mulheres que vivenciam a Violência por Parceiro Íntimo. |
12 |
Fornecer
uma avaliação preliminar de como as intervenções relacionadas à política de
saúde pública estão afetando a incidência de violência por parceiro íntimo e
apresentar recomendações para mitigar impacto nos níveis nacional e subnacional de governo. |
Ensaio
teórico |
A
violência contra a mulher já era um grande desafio antes da pandemia, que foi
exacerbado com ela, exigindo parceria entre os poderes públicos e
organizações da sociedade civil para seu enfrentamento. |
Deve-se ampliar o acesso das mulheres
a serviços online; promover parcerias entre organizações não governamentais e
governos; evitar liberar prisioneiros condenados por violência doméstica;
aumentar campanhas públicas sobre violência doméstica voltadas aos homens. |
13 |
Identificar
lições aprendidas nas relações sindêmicas entre
violência baseada no gênero e Zika, Ebola e COVID-19 que podem informar políticas públicas de
saúde sensíveis ao gênero. |
Debate |
Sindêmias como da Zika, Ebola e Covid-19 exacerba as vulnerabilidades de mulheres
que vivem em ambientes humanitários, com aumento do risco de transmissão
dessas doenças, associado a falha nas políticas públicas para minorar essa
relação prejudicial. |
É necessário que as relações
entre doenças infecciosas e a violência contra
meninas e mulheres sejam abordadas de modo holístico e proativo. |
14 |
Conhecer
as estratégias de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher
disseminadas pela mídia digital no início da pandemia de COVID-19 |
Estudo
documental com abordagem qualitativa |
A
imprensa jornalística, redes sociais, portais governamentais e organizações
do terceiro setor durante a pandemia de COVID-19 abordaram estratégias de
promoção de comunicação com mulheres em situação de violência, assim como,
meios de denúncia e de transmissão de informação acerca de violência. |
Serviços de atendimento remoto
e canais de denúncia tornaram-se meios de assistência a mulheres na pandemia
de COVID-19, no entanto, ainda há a necessidade de melhoria das estratégias
governamentais e de serviços de acolhimento. |
15 |
Estudar
os efeitos de um programa de capacitação de jovens sobre a prevalência de
violência contra a juventude no lockdown da
pandemia de COVID-19 na Bolívia. |
Ensaio
de controle randomizado |
O
desenvolvimento de habilidades técnicas, de educação sexual e suporte
econômico contribuem na redução da violência através do empoderamento das
mulheres. |
Programas multifcateados
de empoderamento de jovens mulheres podem viabilizar a redução da violência
em momentos de aumento de risco como da pandemia de COVID-19. |
16 |
Identificar
novas contramedidas de proteção às mulheres em situação de violência
doméstica no Japão. |
Debate |
A
implantação de um sistema de linha de ajuda para sobreviventes de violência
doméstica durante a pandemia de COVID-19 associado a liberação de subsídios e
de proteção em abrigos e hotéis contribuiu para minorar a violência em
mulheres japonesas. |
Os governos devem ampliar as
linhas de consultas 24h e locais de acolhimento visando ampliar as
estratégias de apoio e enfrentamento da violência. |
17 |
Identificar
lições em crises humanitárias para mitigar a violência baseada em gênero na
pandemia de COVID-19. |
Comentário |
O
terceiro pilar de ação contra a violência baseada em gênero associado à
resposta efetiva e modelos de prevenção são cruciais para abordar a
problemática da COVID-19. |
É fundamental que governos e
profissionais na pandemia de COVID-19 adotem medidas de mitigação do risco de
violência baseada em gênero. |
18 |
Instalar
um pôster infográfico e código de respostas (QR code) para identificação de violência por parceiro íntimo
em maternidades. |
Estudo
de prática clínica |
A aplicação
do infográfico nos banheiros das maternidades permitiu acesso ao apoio de
modo privado e promoveu preocupação dos profissionais com a temática da
violência nas instituições perinatais. |
O desenvolvimento de
instrumentos de identificação, proteção e intervenção a vítimas de violência
é positivo e deve ser incentivado nas instituições de saúde. |
Fonte: elaboração dos autores.
Para constituição da amostra, inicialmente, foi realizada
leitura do título e resumo do artigo para verificação da pertinência temática
ao objetivo proposto. Em uma segunda etapa, realizou-se a leitura completa dos
artigos com o intuito de verificar a adequação para composição da amostra ou a
necessidade de exclusão. Atentou-se para os critérios de qualidade ao
considerarmos apenas estudos publicados em periódicos com revisão por pares.
Posteriormente, realizou-se a análise temática do
conteúdo para identificar potencialidades, fragilidades e lacunas no âmbito das
políticas de saúde nos diferentes âmbitos – político, institucional e da
prática dos profissionais de saúde. A síntese dos achados foi organizada em
quadros com os resultados discutidos de forma narrativa. Os itens de avaliação
do checklist PRISMA
foram usados nesta revisão para assegurar o seu rigor metodológico (Tricco et al.,
2018).
Foram identificados 1.978 artigos. Dentre estes,
excluiu-se 161 por duplicidade. Os 1.817 restantes foram analisados pela
leitura dos títulos e das palavras-chave, dentre os quais 171 foram incluídos
por manterem seu foco nas repercussões da COVID-19 nas decisões de políticas
para o enfrentamento da VDFCM. Neste montante (n=171), foi efetuada a leitura
dos abstracts. Após esta etapa foram avaliados para a
elegibilidade, mediante leitura do artigo na íntegra, 32 manuscritos, dentre os
quais 14 foram excluídos por não responderem à questão
de pesquisa ou por escassez de recomendações significativas para revisão.
Assim, 18 artigos foram selecionados para a amostra final, considerando-se os
critérios de inclusão (Figura 1).
Figura 1. Fluxograma
PRISMA-SR, Fortaleza, 2023
Fonte:
elaboração dos autores conforme PRISMA-SR.
Por entender a pertinência de documentos de literatura
cinzenta, salienta-se que alguns foram incluídos na revisão após busca nos
sítios eletrônicos de instituições que discutem políticas públicas de saúde,
com foco especial em COVID-19 e violência doméstica contra as mulheres (Quadro
4).
Quadro
4. Descrição dos materiais da literatura cinzenta utilizados para discussão,
2022
Nº |
Título |
Ano |
Instituição |
Principais contribuições |
1 |
Measuring the
shadow pandemic: violence against women during COVID-19. |
2021 |
United Nations Women |
Discute a pandemia de violência associada a
pandemia por COVID-19, denotando a necessidade de os governos nacionais
implementarem políticas públicas para melhor responder a este fenômeno. |
2 |
COVID-19 e a violência contra a mulher: O
que o setor/sistema de saúde pode fazer. |
2020 |
Organização Pan-Americana de Saúde |
Apresenta a interface entre violência e
COVID-19 e sugestões de como a violência contra a mulher pode ser abordada
por governos e formuladores de políticas, instituições e prestadores de
saúde, organizações de resposta humanitária, membros das comunidades e
mulheres em situação de violência. |
3 |
Gênero e COVID-19 na América Latina e no
Caribe: dimensões de gênero na resposta. |
2020 |
ONU Mulheres Brasil |
Discute as dimensões de gênero na resposta a
pandemia pelos governos na América Latina. Apresenta a relevância de
considerarem as relações desiguais de gênero no planejamento
das atividades governamentais durante o enfrentamento da pandemia. |
4 |
A gestão de riscos e governança na pandemia
por COVID-19 no Brasil: análise dos decretos estaduais no primeiro mês. |
2020 |
Fundação Oswaldo
Cruz |
Apresenta o arcabouço jurídico produzido
pelos estados brasileiros no primeiro mês da pandemia de COVID-19 e discute
as consequências das tomadas de decisão no âmbito da gestão de riscos e
governança. |
5 |
COVID-19 no Brasil: impactos e respostas de
políticas públicas. |
2020 |
Banco Mundial |
Foca na apresentação de políticas públicas
implementadas no Brasil na vigência da pandemia, com explicitação dos
principais desafios a partir dos possíveis cenários futuros. |
6 |
Policy Brief:
The impact of COVID-19 on women. |
2020 |
United Nations |
Apresenta a necessidade de discussão sobre
igualdade de gênero em um momento de fragilidade para a implementação de
políticas públicas de inserção social das mulheres no mundo. Discute os
efeitos econômicos e sociais da pandemia e sugere possíveis lacunas que
precisam ser focadas pelas políticas públicas nacionais. |
Fonte: elaboração dos autores.
As limitações deste estudo estão circunscritas ao objeto
pesquisa, na medida em que se detectou um pequeno
quantitativo de estudos que discutiam a formulação e implementação de políticas
públicas em saúde voltadas para o enfrentamento da VDFCM durante os dois
primeiros anos da pandemia de COVID-19.
Ao analisar os artigos incluídos nesta revisão, os países
da Europa (5) predominaram como origem dos estudos. Quatro artigos analisados
são provenientes da América Latina, sendo dois do Brasil, um da Argentina e
outro da Bolívia; 4 dos Estados Unidos, 3 da Europa, 1 do continente Africano,
1 do Japão e 1 do Canadá. Um dos textos provém da parceria entre Estados
Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália e outro da parceria entre França e
Camarões. Um total de 17 pesquisas foram publicadas em inglês e uma em
espanhol, apesar das distintas nacionalidades dos autores. Quanto ao ano de
publicação, 6 artigos foram publicados em 2020 e doze deles, em 2021.
Periódicos de diferentes áreas abrigaram os estudos desta
revisão, passando pela Saúde Pública, Psiquiatria e Saúde Mental, Ciências
Médicas, Administração Pública e periódicos especializados em violência e
sexualidade, o que indica a interdisciplinaridade e a intersetorialidade
do tema. As metodologias empregadas foram revisões (3), ensaios teóricos (5),
estudos documentais (4), debate (2), um estudo controlado randomizado, um
comentário, um estudo de prática clínica e um estudo empírico de abordagem
qualitativa (Quadros 2 e 3).
Posteriormente à leitura e análise dos artigos na
íntegra, as informações extraídas dos artigos – objetivos, resultados e
principais descobertas - foram agrupadas em cinco categorias a saber: (1)
desenvolvimento de material para educação em saúde no enfrentamento da
violência doméstica contra as mulheres; (2) aplicação devida da legislação
vigente de proteção às mulheres; (3) ampliação dos canais de comunicação sobre
denúncias de situações de violência; (4) ampliação de rede de enfrentamento e
atendimento à violência contra as mulheres (VDFCM); e (5) atuação governamental
para minoração da vulnerabilidade social das mulheres durante a pandemia. Tais
categorias serão discutidas a seguir.
Materiais educativos em saúde são constantemente
utilizados com o intuito de ampliar o conhecimento das pessoas acerca de
determinado tema e com isso propiciar a adoção de hábitos saudáveis. Na
perspectiva do enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, o uso
deste tipo de ferramenta pode possibilitar melhora no cotidiano familiar,
especialmente ao considerarmos o cenário pandêmico.
Além disso, este tipo de material pode provocar reflexões
nos possíveis agressores acerca das consequências negativas de suas ações para
os envolvidos (De Villiers, Duma, Abrahams,
2021). Isso tem sido uma alternativa viável para este período de maior
isolamento social, no qual as famílias têm se deparado com aumento nos casos de
VDFCM.
Campanhas públicas com a temática de violência doméstica
devem ser direcionadas aos meninos e homens, pois são os que poderão se tornar
agressores. Apenas com o envolvimento dos homens nas ações de enfrentamento
VDFCM, será possível ultrapassar as barreiras impostas pela diferença social
que marca as relações de gênero no mundo (Walters,
2020).
Organizar atividades e campanhas específicas para os
perpetradores da violência parece produzir um efeito benéfico para a melhora
dos indicadores relacionados à violência contra a mulher a longo prazo. Ações
de educação voltadas a esse público podem promover mudança significativa de
práticas, com ampliação das discussões sobre igualdade de gênero (Polischuk e Fay, 2020).
Um dos estudos reporta que um programa de empoderamento
de jovens mulheres em quatro cidades da Bolívia durante o lockdown obteve sucesso na
redução da violência através do desenvolvimento de habilidades técnicas na área
de saúde sexual, com orientação e assistência na procura de emprego (Gulesci, Puente-Beccar, Ubfal, 2021).
Salienta-se que o ambiente doméstico durante a pandemia
tem sido cenário de violências diversas, especialmente contra a mulher. Isso
tem sido propiciado pela diminuição do suporte social às famílias, a exemplo do
fechamento temporário das escolas, bem como pelas questões relativas à
estrutura social que fomenta a desigualdade de gênero (Marques et al., 2020).
Tanto que é importante que as campanhas fomentem
discussões sobre igualdade de gênero em diversas situações, como nos afazeres
domésticos. Permitir reflexões sobre a divisão das tarefas domésticas pode
auxiliar modificações das práticas no domicílio, instituindo ambiente com maior
harmonia, mesmo em situação tão vulnerável como na pandemia por COVID-19.
Igualmente, são salutares as discussões acerca das masculinidades, aproximações
entre os gêneros, papéis paternos e familiares (Polischuk
e Fay, 2020).
Nesse sentido, a violência contra as mulheres deve ser
considerada uma pandemia silenciosa inserida na pandemia de COVID-19. Algo que
já ocorre há muito tempo e que precisa ampliar os processos de informação às
populações para seu enfrentamento. O uso de materiais instrucionais
é uma alternativa que pode ser exitosa para os governos ao redor do mundo (UN,
2020).
Conforme a ONU Mulheres Brasil, o Estado deve realizar
este tipo de atividade, por obrigação nos acordos internacionais de prevenção
de violência contra as mulheres. Esta responsabilidade se avulta durante a
pandemia, devido às diversas barreiras encontradas por estas mulheres para
diminuir a dor e sofrimento causadas pelas situações de violência em seus
domicílios (ONU-Mulheres Brasil, 2020).
O uso da internet para a disponibilização de recursos
educativos sobre violência contra a mulher é uma importante alternativa para
lugares remotos geograficamente, ou em situações que exigem o isolamento ou
distanciamento social, como os experienciados a partir da pandemia de COVID-19 (Moffitt et al.,
2020).
Devem ser explicitados alguns fatores que influenciam o
uso de tecnologias digitais para a disseminação de informações qualificadas,
tais como: disponibilidade de equipamentos de comunicação e informática;
conhecimento das ferramentas para interação pelos usuários; disponibilidade de
redes de dados capazes de suprir a demanda, que aumentou de forma exorbitante
durante a pandemia de COVID-19 (Doraiswamy, Abraham, Mamtani, Cheema 2020).
Um dos estudos analisados desenvolvido nos Estados Unidos
descreve que a criação de pôsteres com infográfico e
QR Code disponibilizado nos banheiros dos hospitais
representou uma ferramenta de identificação e intervenção na violência por
parceiro íntimo, especialmente para mulheres gestantes atendidas nessas unidades
(Guarino, 2021).
No Brasil isso se intensifica devido às desigualdades
sociais presentes no país, que impossibilitam acesso igualitário às informações
qualificadas e confiáveis. Esta situação foi agravada com a pandemia que
ampliou o fosso que separava os com maior e os com menor acesso à informação
sobre a pandemia e as situações transversais à mesma (Massarani
et al., 2021).
O material educativo direcionado ao enfrentamento da
VDFCM durante a pandemia foi produzido, no Brasil, pelas universidades, pela
ONU Mulheres Brasil e por associações da sociedade civil.
Assegurar a aplicação da legislação de proteção às
mulheres durante a pandemia de COVID-19 teve especial destaque mediante o
envolvimento, não somente dos profissionais do sistema judiciário e das forças
de segurança, mas, sobretudo, dos profissionais de saúde.
Estudo analisado nesta revisão aponta que os
trabalhadores de saúde têm desenvolvido ações fundamentais no combate à
violência de gênero ao utilizar as legislações vigentes de proteção à
integridade das mulheres (Ruiz-Pérez e Pastor-Moreno, 2021).
Na mesma esfera da aplicação das leis de proteção à
mulher, Walters suscita a discussão acerca da
necessidade de continuidade das investigações e processos judiciais contra os
agressores durante o período pandêmico. A autora pontua que a aplicação das
medidas de distanciamento social que entraram em vigor com a pandemia pôs, mais
uma vez, em cheque a superlotação das unidades prisionais e a sua capacidade de
mitigar a pandemia. No entanto, apresentou, em contraponto, que os agressores
deveriam continuar a cumprir suas penas pela perpetração da violência contra a
mulher para evitar o transmitir à sociedade o entendimento de que a violência
por parceiro íntimo não é um crime passível de punição e suas vítimas não
merecem a devida proteção (Walters, 2020).
Vale ressaltar que novas leis foram acrescidas às leis já
vigentes anteriormente à pandemia para o enfrentamento da VDFCM. No caso
brasileiro a Lei no 14.022/20 situa os serviços públicos de
atendimento às mulheres em situação de violência como essenciais e que estes
não podem ser interrompidos enquanto perdurar a pandemia, orienta o
encaminhamento das denúncias recebidas pelo Disque 180 e Disque 100 em até 48
horas às autoridades competentes e exige que os órgãos de segurança criem
canais gratuitos e interativos de comunicação para atendimentos virtuais
acessíveis por celulares e computadores. Além disso, preconiza a
obrigatoriedade do atendimento presencial em casos de feminicídio, lesão
corporal grave ou gravíssima, lesão corporal seguida de morte, ameaça praticada
com uso de arma de fogo, estupro, crimes sexuais contra menores de 14 anos ou
vulneráveis, descumprimento de medidas protetivas; e crimes contra adolescentes
e idosos (Brasil, 2020).
Associadas à Lei no 14.022/20, também foram
sancionadas a Lei no 14.164/21, que inclui a temática da VDFCM na
educação básica, e a Lei no 14.188/21 que define o programa Sinal
Vermelho contra a Violência Doméstica e altera o Decreto Lei no
2848/20 para, entre outras questões, tipificar a violência psicológica contra a
mulher (Brasil, 2021a; Brasil, 2021b).
Neste contexto, ressalta-se que a legislação vigente para
o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres somada às
legislações criadas durante a pandemia devem ser de conhecimento dos
trabalhadores de todos os setores, entre eles a saúde, uma vez que o
enfrentamento da VDFCM mulheres suscita ações intersetoriais.
O uso da mídia para o fomento de informações importantes
sobre a prevenção da violência contra as mulheres nem sempre é comum,
especialmente se for considerado algum tipo de comunicação que consiga traduzir
questões complexas para uma linguagem acessível à população (Sutherland, Easteal, Holland, Vaughan, 2019).
Nesse cenário, a comunicação entre os diversos níveis
governamentais precisa ser qualificada, sobretudo, no período de pandemia, pois
sem a organização necessária para dar respostas rápidas e precisas às demandas
das mulheres, possivelmente ocorrerão ações pontuais, desconexas e sem planejamento, não produzindo a efetividade almejada (Polischuk e Fay, 2020).
Os canais de apoio online
para que as mulheres tivessem acesso à informação sobre o enfrentamento de
situações de violência foram decisivos para otimizar os atendimentos em
diversos países. Durante a pandemia, este parece ser o caminho viável para que
os serviços de assistência estejam mais próximos das usuárias, na tentativa de
ultrapassar as barreiras impostas pelo isolamento e distanciamento sociais (Brink, Cullen, Beek, Peters, 2021).
Os governos devem focar na ampliação de serviços de
telefone e internet para mulheres, especialmente de áreas remotas com difícil
acesso. Em condições normais, isso já traria desafios gigantescos para o
enfrentamento da violência, mas se amplia em um ambiente de isolamento social
necessário, ocasionado pela pandemia de COVID-19 (Moffitt
et al., 2022).
As mulheres devem ser encorajadas a denunciar as
situações de violência que vivenciam, principalmente em um contexto de maior
suscetibilidade a este fenômeno, desencadeados pela política de isolamento e
distanciamento sociais, a partir da qual elas e seus possíveis agressores ficam
mais tempo em convívio domiciliar. Emerge como canal de denúncia viável durante
a pandemia a aproximação com os profissionais de saúde, que devem realizar
triagem de rotina na busca de mulheres em situação de violência durante os
atendimentos cotidianos (Tochie et
al., 2020).
A ampliação dos canais de comunicação entre os governos e
seus serviços na área de saúde, assistência social e segurança precisa ser
priorizada neste momento pandêmico, visto que pode ocasionar a melhoria da
efetividade destes serviços diante do enfrentamento da violência, em
particular, a doméstica (Polischuk e Fay, 2020).
No período pandêmico, no qual o mundo tem experienciado o
isolamento social, o uso de mídias eletrônicas tem sido ampliado. As atividades
ao ar livre foram trocadas pelo uso de celulares e computadores com acesso à
internet, portanto, acesso às informações de forma contínua. Nesse âmbito, o
uso de mídias sociais deve ser aproveitado para ampliar a conscientização da
população acerca da violência contra as mulheres e crianças. Além disso, deve
servir como ferramenta para ampliar as possibilidades de denúncias e
acolhimento por serviços de apoio a estas mulheres e suas famílias (Pearson et al., 2020).
Slakoff, Aujla e Moog (2020) defendem que
a mídia deve ser utilizada sobremaneira como ferramenta para facilitar o acesso
das pessoas às informações que previnam violência contra as mulheres.
Destaca-se o papel da mídia na educação do público sobre violência por parceiro
íntimo, principalmente no contexto da pandemia por COVID-19.
Salienta-se que a divulgação de estatísticas e recursos
disponíveis para a população é importante para dar ciência da capacidade de
enfrentamento do fenômeno pelos governos e instituições da sociedade civil.
Isso tira a violência contra a mulher da invisibilidade e desvela a necessidade
de discussão contínua desta temática pela sociedade (Polischuk
e Fay, 2020).
No Brasil, a ampliação dos canais de comunicação se deu
por iniciativas de conscientização das mulheres e estímulo à denúncia, a
exemplo do vídeo da campanha Call, desenvolvido
pelo Instituto Maria da Penha; pela divulgação do Ligue 180, por meio de
parcerias entre a sociedade civil e o Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos; e pelo lançamento do aplicativo Direitos Humanos BR, que amplia o
alcance dos serviços do Disque 100 e do Ligue 180, para o meio digital (Fornari et al.,
2020).
Fornari et al. reiteram que canais de comunicação como telefones
específicos de denúncia (disque 100, 180, 190 e 192), aplicativo de mensagens
(Salve Maria no estado do Piauí e Botão da Vida no estado do Acre), homepages
como do projeto Carta de Mulheres e o projeto Não se cala, ferramentas de
inteligência artificial, como Iara, para disponibilização de informações e
denúncias e os sistemas de mapeamento como o “Tô com elas” contribuíram
sobremaneira para elevação da identificação de violências no período pandêmico
(Fornari et al.,
2020).
Iniciativas estaduais igualmente foram implementadas, a
exemplo da Lei no 17.406, sancionada em São Paulo, em setembro de
2021, que obriga que os condomínios residenciais e comerciais do Estado
comuniquem aos órgãos de segurança pública a ocorrência ou indícios de
episódios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças,
adolescentes e idosos (Brasil, 2021c).
Nesse contexto, há países que demonstraram dificuldades
em manter a sociedade devidamente ciente das estatísticas relacionadas a
COVID-19, o que também se amplia para quaisquer outros temas de interesse
atual, como a violência contra as mulheres. Lana et
al. (2020) explicitam que é importante a manutenção contínua de vigilância
nacional em saúde oportuna e efetiva, principalmente devido à vigência da
pandemia de COVID-19. No entanto, a essencialidade deste serviço não está
circunscrita a apenas um foco, pois são muitos os agravos que afetam a
população brasileira e precisam de vigilância acurada no sistema de saúde.
Para que os serviços possam abordar devidamente a
violência contra a mulher, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
explicita algumas ações necessárias: os governos precisam tornar os serviços de
denúncia e atendimento acessíveis para as mulheres; as instituições de saúde
devem prover formação adequada para que os profissionais prestem assistência
devida às usuárias; os prestadores de serviços devem ofertar apoio e segurança
para as mulheres que os procuram, proporcionando um ambiente acolhedor (OPAS,
2020).
Antes de inserir a discussão acerca da ampliação da rede
de enfrentamento e atendimento à violência contra a mulher, se faz necessário
compreender a diferença entre esses dois conceitos.
A rede de
enfrentamento à violência contra as mulheres se refere à atuação articulada
entre instituições e serviços governamentais, não governamentais e a comunidade
com foco no desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas
públicas com vistas à garantia do empoderamento e da construção da autonomia
das mulheres, de seus direitos humanos, da assistência qualificada às mulheres
em situação de violência e responsabilização de seus agressores. Deste modo, a rede
de enfrentamento é constituída por agentes governamentais e não governamentais
formuladores, fiscalizadores e executores de políticas para mulheres, serviços
e programas direcionados a responsabilização dos agressores, universidades,
órgão federais, estaduais e municipais da área da garantia de direitos e
serviços especializados e não especializados de atendimento às mulheres em
situação de violência (Brasil, 2011).
Já a rede de
atendimento se refere ao conjunto de ações e serviços dos distintos setores,
com o objetivo de ampliar e melhorar a qualidade do atendimento, a
identificação e o encaminhamento adequado das mulheres em situação de
violência, a integralidade e humanização do atendimento. A saúde, a justiça, a
segurança pública e a assistência social são as principais áreas constitutivas
da rede de atendimento à mulher em situação de violência (Ibídem).
Com base nestes conceitos, se percebe, pelos achados
desta revisão, que foram empreendidos esforços para ampliar a rede de atenção
que se refletiram na expansão dos serviços de acolhimento (casas-abrigo),
habitações transitórias e adaptação dos serviços mediante a criação de
atendimentos online e linhas de atendimento.
A criação de alojamentos de apoio alternativos para
mulheres em situação de violência surge como importante ação dos países na
vigência da pandemia, visto que o isolamento social exigiu, muitas vezes, a
convivência por maior tempo no domicílio entre a mulher e o possível agressor,
se este for seu parceiro íntimo (Brink, Cullen, Beek e Peters, 2021).
Moffitt et al. (2022) reforçam que a ampliação do
acesso das mulheres a abrigos temporários, habitações transitórias e serviços
de telefone e internet podem ser capazes de evitar problemas e facilitar as
decisões das mulheres afetadas pela violência. No caso brasileiro, efetivou-se
a inauguração de novos equipamentos da rede de atendimento à mulher em situação
de violência, como a Casa da Mulher Brasileira no Distrito Federal. Além disso,
foi firmada parceria entre o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos e onze instituições da sociedade civil e poder público para a
implementação do Programa Você Não Está Sozinha, que funciona como uma rede de
apoio às mulheres e meninas em situação de violência.
A ampliação da rede de atendimento às mulheres em
situação de violência na pandemia é premente, uma vez que houve aumento na
quantidade de casos em diversos países. Apenas ações intersetoriais,
que envolvam governos nacionais e subnacionais, podem
ser capazes de produzir de forma rápida o aumento necessário desta rede. Para
isso, salienta-se que é essencial o diálogo entre os distintos tipos de
governo, desde o de pequenas províncias até o mais alto nível central no país,
visto que envolve questões financeiras e estratégicas que exigem parceria entre
os entes (Polischuk e Fay,
2020).
Suga expõe que houve no Japão a ampliação de canais de
comunicação para denúncia e a disponibilidade de abrigos, inclusive em áreas
remotas, durante a pandemia de COVID-19, mas destaca que é necessário investimento
para consolidação e continuidade destes projetos para além da pandemia (Suga,
2020).
Entende-se a necessidade de ampliação das redes de
atendimento como uma forma de resposta rápida ao recrudescimento da violência
doméstica, entretanto, ressalta-se a necessidade de manutenção destes serviços,
bem como de sua articulação à rede de enfrentamento.
A violência contra a mulher é considerada uma pandemia
silenciosa, visto que afeta milhões de pessoas no mundo e que ainda há
barreiras para implementação de políticas públicas capazes de produzir
respostas adequadas às demandas que se avultam1. Neste âmbito, os
países são instados a prover políticas contínuas de proteção às mulheres, com
ampliação de ações de prevenção e acompanhamento de situações de violência,
cada vez mais graves em diversos lugares.
A pandemia de COVID-19 trouxe dificuldades adicionais
para a minoração dos efeitos deletérios da violência contra a mulher no mundo e
isso exige respostas rápidas dos governos, instituições e da sociedade civil a
partir de parcerias que viabilizem atividades eficientes no processo de
enfrentamento da violência (Ertan et
al., 2020).
A emergência social e sanitária vivenciada atualmente
denotou a fragilidade de alguns serviços básicos, que ajudariam no
enfrentamento da violência de gênero. A partir disso, torna-se necessária
avaliação contínua das ações desenvolvidas pelos governos nas diversas áreas,
para readequação das atividades e implementação de políticas que sejam efetivas
para o enfrentamento da violência contra a mulher (Ruiz-Pérez e Pastor-Moreno,
2021).
Salienta-se que esta realidade se torna mais complexa em
ambientes de intensa vulnerabilidade social, que deixam as mulheres mais
expostas a situações de violência no cotidiano. Portanto, para além de ações de
prevenção da violência, é importante dar garantias de que estas mulheres e seus
filhos consigam ter o direito de viver em condições adequadas (Walters, 2020).
O acesso a serviços básicos como saúde e moradia precisa
ser garantido para mulheres em situação de violência com o intuito de prover
condições adequadas para superação das dificuldades relacionadas ao fenômeno
vivenciado. Para além do direito à saúde durante a pandemia de COVID-19, é
importante voltar também o foco para outros direitos humanos essenciais
(Vives-Cases et al., 2021).
Do mesmo modo, se salienta a importância de prover
segurança alimentar e transporte para facilitar acesso aos serviços de saúde,
altamente demandados no período pandêmico. Quaisquer ações de inclusão social
nas mais distintas áreas são válidas, especialmente em países com população de
mulheres em situação de pobreza (Nabukeera, 2021).
Nesse sentido, é premente que as ações públicas sejam
multiníveis e complexas, para tentar enfrentar um fenômeno, igualmente, de
causas multifatoriais e complexas. Ademais, as questões de gênero devem ser
transversais na gestão de crises para quaisquer órgãos públicos, visto que as
mulheres, em geral, estão em piores situações de vulnerabilidade social (Polischuk e Fay, 2020).
Sharma et al. (2021) descrevem que a mitigação da
violência baseada em gênero é essencial para avanços no combate da violência,
principalmente em períodos como da pandemia, sendo fundamental a incorporação
de sua abordagem por governos locais e nacionais.
Deve-se considerar que os programas de ação e políticas
são mais amplamente implementados em países com elevado poder econômico. Os
países de baixos rendimentos não abordam estas questões devidamente, motivados
pelo orçamento e recursos limitados (Ertan et al.,
2020).
Neste contexto, Meinhart et al. criticam que mulheres e garotas em
situações humanitárias de vulnerabilidade como da pandemia de COVID-19 e outras
como Ebola e Zika enfrentam
sérios problemas relacionados ao impacto desproporcional das desigualdades de
gênero, violência e a transmissão dessas doenças. Os autores ainda reiteram que
há falhas nas políticas para identificar e lidar com essas relações e que são
necessárias mudanças na avaliação e implementação de políticas de enfrentamento
da violência contra mulher (Meinhart et al. 2021).
Ao pensar em vulnerabilidades que precisam ser minoradas
em associação ao enfrentamento da violência contra a mulher, o Brasil se
destaca por demandar do poder público esforço contínuo neste sentido. Relatório
técnico produzido pela Fundação Oswaldo Cruz denota a
importância de ações ancoradas na governança e gestão de riscos na tentativa de
diminuir os efeitos negativos da pandemia para as mais diversas áreas que
afetam diretamente a população brasileira (Fiocruz,
2021).
No Brasil, com o intuito de reduzir a vulnerabilidade
social das mulheres durante a pandemia, foi aprovado no Senado Federal, no ano
de 2021, o Projeto de Lei no 4.692 que confere prioridade às
mulheres em situação de violência doméstica nos programas sociais de acesso à
moradia e estabelece critérios para obtenção de benefícios (Brasil, 2021d).
Soma-se a esta iniciativa, a publicação da Portaria no 86 que aprova
recomendações gerais para o atendimento às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar na rede socioassistencial do
Sistema Único de Assistência Social, no decorrer da pandemia de COVID-19, bem
como a implementação de programas de transferência de renda pelo governo
federal e diversos governos estaduais (Brasil, 2020b).
Os entes federados enviaram esforços em níveis distintos
para debelar as repercussões negativas da pandemia no país e produzir ações
positivas, especialmente, no âmbito da diminuição de vulnerabilidades sociais
das mulheres, parcela populacional das mais afetadas neste período. Polischuk e Fay (2020) e Walters (2020). explicitam que a organização do governo
central e dos governos subnacionais, com comunicação
e parceria harmoniosa entre estes, é um caminho para produção de êxitos. O
contrário permitirá que as vulnerabilidades perdurem em um ciclo vicioso que
maltrata sobremaneira os mais pobres, com menos acesso a serviços essenciais.
É importante reafirmar as necessidades de grupos
marginalizados ou “à margem da sociedade” que com a pandemia de COVID-19,
alcançou níveis jamais vistos neste século no Brasil. Populações como de
indivíduos negros tem sofrido com disparidades sociais, étnicas, raciais,
culturais e econômicas, que repercutem em sua saúde e exigem ações reestruturantes universais, integrais e equitativas (Bittencourt, Santana e Santos, 2023).
Estudos internacionais denotam ampliação dos casos de
violência doméstica na vigência da pandemia de COVID-19, o que exige tomada de
decisão dos responsáveis pela implementação de políticas públicas para o
enfrentamento deste fenômeno. No entanto, evidenciou-se que embora seja
temática relevante e reconhecida como desafio mundial prioritário,
especialmente nos dois primeiros anos de pandemia, a violência contra a mulher
foi suplantada pela urgência das ações relacionadas diretamente ao controle da
COVID-19.
A parca quantidade de produções científicas analisadoras
de políticas públicas de saúde com
foco na violência doméstica implementadas nos anos iniciais da COVID-19 (2020 e
2021), se colocou como uma limitação desta revisão de literatura. Entretanto,
foi possível identificar esforços para esse enfrentamento mediante o
desenvolvimento de material de educação em saúde acerca do enfrentamento da
violência doméstica, da aplicação das legislações de proteção às mulheres, da
ampliação dos canais de comunicação e denúncia de situações e violência, da
expansão da rede de enfrentamento e atendimento à violência contra as mulheres
e a da atuação dos governos para a redução da vulnerabilidade social das
mulheres durante a pandemia.
Deste modo, se pode afirmar que há iniciativas
governamentais que tentaram superar os desafios impostos pela COVID-19, embora
cada país tenha instituído ações específicas. No Brasil, mesmo com dificuldades
na comunicação e interação entre os entes federados que produziram ações
pontuais e desarticuladas, foi possível implementar avanços na legislação.
5. Recomendações
Destarte, considerando-se o caráter multifatorial da
violência contra as mulheres, recomenda-se aos governos enquanto ações intersetoriais:
(i) o desenvolvimento de
materiais instrucionais que discutam igualdade de
gênero e fomentem mudanças de práticas nos domicílios;
(ii)
a utilização de ferramentas de comunicação para ampliação do conhecimento das
mulheres acerca dos canais de denúncia de violência;
(iii)
a atualização contínua da legislação com foco na proteção da mulher em situação
de violência;
(iv)
o fomento de parcerias com instituições da sociedade civil com o intuito de
ampliação das ações desenvolvidas, especialmente as relacionadas a denúncias de
violência;
(v) ampliação e
aperfeiçoamento constantes da rede de atendimento às mulheres em situação de
violência;
(vi) a produção de ações de
minoração das vulnerabilidades sociais, com envolvimento de todos os entes
federados; e
(vii)
o fortalecimento dos serviços de vigilância em saúde, com produção e publicização dos dados.
No âmbito dos serviços de saúde recomenda-se a realização
de parcerias interinstitucionais para o enfrentamento da violência contra as
mulheres, a instituição da busca ativa contínua de situações de violência pelos
profissionais de saúde com uso de instrumentos validados e o fortalecimento da rede
de atendimento às mulheres em situação de violência.
Para além das instituições, a sociedade civil deve ser
orientada a acompanhar a implementação das políticas públicas de enfrentamento
da violência contra as mulheres, a instituir redes informais de apoio
comunitárias para ampliação das denúncias dessas violências e a participar de
campanhas públicas voltadas para conscientização acerca da violência contra as
mulheres.
Reforça-se ainda o fortalecimento e consolidação das
ações e serviços criados ou ampliados durante a pandemia de COVID-19 e a sua
integração aos serviços pré-existentes, no sentido de tornar mais robusta a
rede de enfrentamento e atenção às mulheres em situação de violência doméstica.
Ademais, reafirma-se premente a elaboração de políticas
públicas sob a perspectiva de gênero com participação em parceria, diálogo e
cooperação entre as diferentes esferas de governo, gestores, acadêmicos, ONG’s, movimentos de mulheres, lideranças, organizações
comunitárias e a sociedade civil.
Bibliográfia
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de 2009, e a Lei nº 14.118, de 13 de janeiro de 2021, para conferir prioridade
à vítima de violência doméstica e familiar e à mulher responsável
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Brasil (2020a). Lei Federal nº 14.022, de 08 de julho de
2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas
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enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e
pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Diário
Oficial da União. 13 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14022.htm [10/10/2021].
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Aprova recomendações gerais para o atendimento às mulheres em situação de
violência doméstica e familiar na rede socioassistencial
do Sistema Único de Assistência Social - SUAS no contexto da Pandemia do novo
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a mulher previstas na Lei nº 11.340,
de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),
e no Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em
todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para
modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a
mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de
violência psicológica contra a mulher. Diário Oficial da União. 10 de agosto de
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