Casar
ou comprar uma bicicleta? Uma análise do protagonismo
das
mulheres na cultura do consumo
Get married or buy a bicycle?
An analysis of women's protagonism
in consumer culture
Beatriz Beraldo
|
Universidade de Brasília (UnB) - Brasil
|
Recebido: 29-02-2024
Aceito: 21-05-2024
Resumo
O objetivo deste
artigo é discutir, a partir da provocação de um ditado popular famoso no
Brasil, as relações entre a vida social das mulheres e a cultura do consumo. A
partir do uso de metodologia qualitativa e com o suporte bibliográfico de
pensadores do campo das Ciências Sociais, observa-se o casamento e a
propriedade privada como agentes das restrições historicamente impostas às
mulheres na esfera pública. De outro ângulo, a investigação apresenta também
uma história cultural das dinâmicas do consumo de bicicletas no século XIX.
Como conclusão, articula reflexões sobre as dimensões comunicacionais e
antropológicas do protagonismo das mulheres na cultura do consumo.
Palavras-chave: consumo,
mulheres, bicicleta, publicidade.
Abstract
The purpose of this
article is to discuss, based
on the provocation
of a famous phrase in Brazil, the relationship between women's social life and consumer
culture. Using a qualitative methodology and a bibliographic supported by thinkers
in the field of Social Sciences, marriage and private
property are observed as restrictions’ agents, historically imposed on women in the
public sphere. From another angle,
the investigation also presents a cultural history of the
dynamics of bicycle consumption in the 19th century. In conclusion, it articulates reflections on the communicational
and anthropological dimensions of women's
protagonism in consumer culture.
Keywords: consumption, women, bicycle, advertising.
Muitas vezes,
os ditados populares nos dão pistas para entender as complexas questões que as
sociedades humanas apresentam. Esse é o caso da expressão “não sei se caso ou
se compro uma bicicleta”, muito popular no Brasil, que metaforiza uma
circunstância de escolha difícil. O Dicionário de Expressões Populares, lançado
em 2008, pela Gramofone[1],
explica esta expressão através de outro famoso ditado, afirmando que ele diz
respeito a situação em que alguém se percebe em grande dúvida, “entre a cruz e
a espada”.
No entanto,
os autores do dicionário não apresentam uma origem para expressão, com a
justificativa de que não a conseguiram localizar. Embora seja mesmo bastante
complexo recuperar a origem cultural desse dito popular que envolve bicicletas
e casamentos, isto não anula o fato de que a frase é, seguramente, muito
conhecida no senso comum, já que em uma rápida pesquisa no buscador Google.com, a expressão “não sei se caso
ou compro uma bicicleta” alcança pouco mais de um milhão e trezentos mil
resultados[2].
A sabedoria
popular, de algum modo, expressa nestas breves palavras a dicotomia que os
fabricantes dos primeiros modelos femininos de bicicleta tiveram que manejar,
na medida em que “casar” poderia significar tanto a tradição quanto a
estagnação, isto é, “ficar parada” e, por outro lado, comprar uma bicicleta
poderia significar transgressão e, finalmente, “movimento”. Os anunciantes das
bicicletas do século XIX desenvolveram, então, estratégias discursivas para
mostrar aos consumidores e, principalmente, às consumidoras que a “difícil
escolha” não precisava acontecer, já que a “nova mulher” – apresentada
enfaticamente nos anúncios publicitários – poderia administrar as duas coisas,
sem que isso se tornasse uma questão paradoxal.
Embora muito
tempo tenha se passado, é inegável que a reminiscência enunciativa do ditado –
que ainda se encontra em uso – fortalece a oposição que objetivamos demonstrar
no desenvolvimento desse artigo: de um lado, a liberdade proporcionada pelo bem
de consumo; de outro, as demarcações restritivas dos papéis sociais no
casamento – especialmente agravadas no caso feminino. Assim, podemos abrir esse
texto observando os ecos históricos presentes nessa linha de conhecimento
popular que evoca dois significativos aspectos que serão analisados aqui: a
família moderna, com o casamento monogâmico e o consumo de bicicletas.
2. Metodologia
A proposta metodológica do artigo se assenta em
pesquisa de caráter bibliográfico e documental. Isto é, além da revisão
teórica, que sustenta a argumentação do texto, foi realizada ainda uma
investigação de caráter documental que se concretizou de duas maneiras
distintas, a saber:
i)
na reunião de fontes secundárias realizada com o fim de se percorrer a trilha
deixada por estudos pregressos sobre a relação entre mulheres e consumo de bicicletas
e,
ii) em uma pesquisa virtual que
localizou fontes primárias, observando-se o material coletado a partir de
notícias de jornal e anúncios publicitários do período histórico investigado.
As buscas
documentais foram realizadas em bibliotecas digitais norte-americanas,
destacando como principais a HathiTrust.org e a The Library of Congress. As pesquisas
seguiram uma diretriz padrão no uso de palavras-chaves nos buscadores. São
elas: bicycle, wheelwomen,
Columbia bicycle, bloomers,
bloomers girls e new woman. Também foi utilizado o recurso de pesquisa em
periódicos científicos reunidos no sistema online da The Johns
Hopkins University Press (jstor.org), cujo
acesso, que é restrito, foi viabilizado pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
Assim,
investindo em uma abordagem qualitativa, à luz de textos de autores das
Ciências Sociais, clássicos – como Engels
(1978), Marx (2011) e Veblen (1889) – e
contemporâneos – como Miller (1987, 2013), Baudrillard (1972, 2011) e Carrascoza (2014) – a análise se deu observando como
a cultura do consumo, tangenciada pelo caso da venda de bicicletas, fez parte
da agenda do movimento emancipatório das mulheres no final do século XIX e
início do século XX.
3. Casar
A história
das mulheres é comumente contada a partir da história da família. A aproximação
entre história e antropologia, que iluminou a família como objeto de pesquisa,
serviu como um dos poucos textos de referência para a percepção da mulher como
sujeito na história “oficial” (Perrot, 2007). Não é
por acaso, afinal, que em diversas línguas o uso da palavra “homem” substitui a
palavra “humano” em sinonímia: “Os homens são indivíduos, pessoas, trazem
sobrenomes que são transmitidos [...]. As mulheres não têm sobrenome, têm
apenas um nome” (Perrot, 2007: 17) – e ao se casarem,
as mulheres passam a ser identificadas apenas pelo pronome de tratamento
seguido do sobrenome do marido.
Desse modo,
ao compreendermos a natureza do homem como o sujeito universal, neutro, chefe
das famílias, se constata em oposição binária a figura da mulher, representada
como um ser secundário, sexualizado, marcado pelo seu gênero e determinado pela
sua natureza reprodutora. As pesquisadoras britânicas Mirian Catterall, Pauline Maclaran e Lorna Stevens (2000) enxergam essa oposição binária como
uma construção que vem sendo historicamente perpetuada por filósofos que
encontraram nas dicotomias uma maneira eficaz de expor suas leituras sobre a
condição humana:
“Platão usou as categorias
razão/emoção e universal/particular; para Hegel e Rousseau as dicotomias
público/privado, masculino/feminino e razão/natureza se mostraram úteis; Marx
utilizou produção/reprodução, mental/manual, liberdade/necessidade; e Descartes
enfatizou mente/corpo e sujeito/objeto, para citar apenas algumas dualidades. O
argumento feminista é que essas dicotomias operam de
maneira a privilegiar uma das partes do par, então, por exemplo, razão, mente, e masculino são
considerados superiores à emoção, corpo e feminino [...]. Nessa linha, mulheres são definidas por aquilo que
o homem não é (um homem incompleto) e vêm sendo associadas a outros termos
ligados à inferioridade binária: emoção, corpo, objeto, entre outros. Em
verdade essas dicotomias, criadas pela cultura e pela sociedade, são
apresentadas, com frequência, como ‘naturais’ ou com bases biológicas que as
justificariam[3].” (Catterall, Maclaran e Stevens,
2000: 4)
Em crítica
análoga, as pesquisadoras Miguel e Boix (2013),
questionam o protagonismo quase exclusivo dos homens na história da humanidade.
Segundo as autoras existe um “mito do homem caçador” que se difunde
erroneamente até os dias de hoje e nos faz crer que a mulher sempre cumpriu o
papel submisso, sem exercer funções importantes para a sobrevivência da
espécie, dada a sua suposta natureza frágil e desestabilizada emocionalmente
(modelo que não só a História oficial, mas instituições como Família, Igreja e
Estado ajudaram a perpetuar). Hoje, no entanto, podemos enxergar outra versão
dessa história:
“É muito provável que por meio da
experiência e da reflexão tenham sido elas [as mulheres] que conceberam a ideia
da agricultura e que começaram a trabalhar com a terra. Da mesma forma, é
provável supor que foram elas que construíram as primeiras cabanas para
proteger seus filhos; as primeiras a praticar o artesanato: a cerâmica e a
fiação; ao decorar seus vasos, teriam sido as protagonistas das primeiras tendências
artísticas da humanidade. Aprenderam a conhecer as propriedades das ervas, com
o que foram as primeiras médicas e farmacêuticas. Definitivamente, e por razões
materiais concretas, “o saber” era patrimônio das mulheres das sociedades
primitivas.” (Miguel e Boix, 2013: 42)
A partir
desses dados e através da análise de um livro clássico das Ciências Sociais, A origem da família, da propriedade privada
e do Estado, de Friedrich Engels (1978), destacaremos como as
transformações dos modelos matrimoniais interferem na condição feminina. Engels
narra a história da família recorrendo ao seu antecessor Morgan que foi
primeiro pesquisador a introduzir uma ordem na pré-história da humanidade
dividindo-a em três épocas: estado selvagem, barbárie e civilização. Cada uma
dessas épocas é subdividida em seus estágios de fase inferior, fase média e
fase superior, cronologicamente. Morgan também fez uma importante contribuição
para o estudo da família ao desenvolver o conceito de gens– a linha materna de
consanguinidade. Engels (1978) é enfático ao
afirmar que a descoberta das gens possui valor científico semelhante à teoria da evolução
das espécies de Charles Darwin.
No regime das
gens
orientado pelos laços familiares uterinos – assim chamados pois a
consanguinidade era determinada pela linha materna, por ser a única de que se
tem certeza – não havia nenhuma espécie de dominação ou servidão. Os
matrimônios não eram monogâmicos, contemplavam todo um grupo familiar, e toda a
produção social era de responsabilidade comum. Durante a etapa selvagem, as
mudanças nos matrimônios e arranjos familiares se dão, justamente, pela
interdição dos casamentos entre aqueles que possuem grau de parentesco pela
linhagem materna. A fim de sintetizar a extensa narrativa que apresenta os formatos
familiares pré-monogâmicos, destacamos que:
“A evolução da família nos tempos pré-históricos,
portanto, consiste numa redução constante do círculo em cujo seio prevalece a
comunidade conjugal entre os sexos, círculo que originariamente abarcava a
tribo inteira. A exclusão progressiva, primeiro dos parentes próximos, depois
dos parentes distantes e, por fim, até das pessoas vinculadas apenas por
aliança, torna impossível na prática qualquer matrimônio por grupos; [...] Isso prova quão pouco tem a ver a origem da monogamia
com o amor sexual individual, na atual acepção da palavra.” (Engels,
1978: 49)
O mais
importante aspecto a ser assinalado a respeito das fases anteriores à família
monogâmica, na etapa selvagem, é o fato de que a mulher era muito valorizada,
especialmente a mulher-mãe. Elas eram além de livres para encerrar o
matrimônio, muito consideradas pela gens, mandavam na casa, e os filhos e os objetos do lar eram
“de sua posse”. Estamos diante do que o autor intitula “lar matriarcal”
(Engels, 1978)
A grande
transformação na condição feminina e no quadro familiar se dá ainda na fase
inferior da barbárie quando, no Velho Mundo, se observam as significativas
modificações na relação entre a coesão das gens e o modo de se adquirir as provisões. A partir da domesticação de
animais, criação de gado, porcos e cabras, bem como a grande quantidade de
utensílios para adquirir alimentos como barcos, facas, armas e outros objetos,
fica praticamente eliminada a necessidade de sair em busca do alimento todos os
dias. Engels esclarece ainda que de início, toda a riqueza (utensílios e
criação de animais) pertencia à gens de maneira
comunista, mas, em pouco tempo, desenvolveu-se a noção de propriedade privada
dos rebanhos – e essa propriedade desloca radicalmente o poder da mãe para o
poder do pai-proprietário. As famílias, a partir de então, se constroem com um
elemento novo: “Junto à verdadeira mãe tinha posto o verdadeiro pai, [...] o
homem era [...] proprietário do novo manancial de alimentação, o gado e mais
adiante, do novo instrumento de trabalho, o escravo” (Engels, 1978: 58).
A medida em
que as riquezas foram se avolumando, dois fenômenos ganham força: em primeiro
lugar, o homem de posses passa a ter uma posição de maior prestígio em relação
à mulher na família; e, como consequência disso, modifica-se a ordem de
concessão de herança, para beneficiar os filhos – e não mais a gens materna como anteriormente. É dessa
maneira que se consagra a abolição do direito materno. Para Engels, o banimento
do direito materno significou tragicamente “[...] a grande derrota histórica do
sexo feminino em todo o mundo” (1978: 61). A partir de então, o homem passa a
dominar a casa, os objetos, os filhos e também a própria mulher – que agora
serve a ele como uma espécie de “escrava da luxúria” (idem), configurando-se em
um instrumento para a reprodução e perpetuação da linhagem paterna.
Constata-se
que, na família monogâmica, a divisão do trabalho entre os sexos não apresenta
muita diferença em relação aos estágios anteriores no sentindo que a mulher
também fora, anteriormente, a responsável pelo lar, e o homem, por sua vez, o
responsável pelos afazeres fora dele. No entanto, a mesma lógica que havia dado
às mulheres a supremacia no regime das gens, isto é, o seu protagonismo nas tarefas domésticas,
agora assegura a chegada avassaladora do poder patriarcal – já que o trabalho
feminino, no novo contexto, perdia valor ante a comunidade, uma vez que a
família monogâmica – e de posses – constitui uma célula individual.
Na aurora da
civilização, é sob a até então inédita conjuntura do poder patriarcal que a
humanidade adentra o domínio da História escrita e das ciências – o que em
parte explica a ausência de mulheres figurando os importantes feitos das
sociedades humanas nos livros de história, pois como redunda Simone de
Beauvoir: “toda a história das mulheres foi feita pelos homens” (Beauvoir, 1980:
167). A monogamia, portanto, – é
importante frisar – não aparece na história como um acordo que beneficia a
igualdade entre homens e mulheres. Muito pelo contrário:
“[...] o primeiro antagonismo de
classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo
entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a
opressão do sexo feminino pelo masculino.” (Engels, 1978: 70-71)
Na trilha das
ideias de Engels, Veblen (1889) discute em seu texto The barbarian status
of women – nunca
traduzido para o português – que embora seja verdade que a sociedade humana
saiu do estágio bárbaro para o civilizado, a condição feminina ainda se
assemelha em muito àquela experimentada na fase anterior.
Nesse texto,
o autor descreve como a criação de animais e o simultâneo aumento do número de
artefatos próprios de uma família passaram a criar animosidade entre as
comunidades. Assim o “modo de vida predatório[4]” (Veblen, 1889: 504) inaugura um sistema de status baseado na
simples diferenciação entre, de um lado, os guerreiros, dignos dos méritos e
todas as propriedades – que não por acaso eram todos homens; e na outra ponta,
os não-guerreiros, grupo constituído pelos homens debilitados, pessoas de idade
avançada e, ainda, todas as mulheres – enxergadas como indignas de participação
nas propriedades e excluídas da competência ritual. Nesse modelo os
não-guerreiros são coercitivamente servis aos guerreiros. Os homens nessa
conjuntura são “[...] acostumados a causar danos e sofrimentos[5]” (Veblen, 1889: 506), de modo a facilmente reproduzirem as
atitudes violentas no interior de sua comunidade e sua família. Engels (1978:
78), também assinala a brutalidade masculina como traço ancestral presente na
família monogâmica, já civilizada, pois esse era o método utilizado para
restringir a presença feminina fora de casa e garantir a sua fidelidade. É
imperioso evidenciar que para sustentar tal organização familiar baseada na
violência doméstica e submissão feminina por tanto tempo serão necessários
dispositivos e instituições com suas narrativas que permitem a manutenção do
poder patriarcal. Assim, o discurso social que legitima o poder masculino sobre
as mulheres assumiu as diferentes formas ao longo dos séculos: na leitura
teológica-cristã, na medicina, na moda, na construção da feminilidade, entre
outros discursos que corroboraram, assim, para a construção do gênero feminino
como um segundo sexo (Beauvoir, 1980).
Ao final da
publicação, Veblen (1889) esclarece que não tinha a
intenção de elaborar uma historicidade sobre o matrimônio ou mesmo apontar as
sabidas variações existentes nos formatos de lares em diferentes lugares e
tempos – tal como Engels já havia feito; o objetivo do texto era a apresentação
de dados que sustentam a sua afirmação de que o lar patriarcal é fundamentado
na coerção e na propriedade, diferentemente do que fora experimentado no lar
matriarcal onde não havia o controle de um sexo pelo outro, assim como Engels
(1978) também observou. Para concluir, Veblen (1889:
512) explora ainda a hipótese de que a modernidade e a, por ele chamada, “[...]
vida industrial pacífica[6]” afrouxaram
os laços do antigo matrimônio baseado na coerção e propriedade, reorganizando a
vida familiar de acordo com os princípios da liberdade industrial. Nessa
lógica, Veblen (1889) sugere, por fim, que o “estado bárbaro das mulheres” se
modifica na medida em que a instituição do casamento-propriedade se desintegra,
e propõe – em tom profético – que este mesmo movimento tende a provocar a
correlata desintegração da moderna noção de propriedade privada.
Na
contradição que somente os longos movimentos históricos podem fazer emergir,
Engels (1978), destaca que foi justamente a grande indústria capitalista
(matriz do estabelecimento de grandes diferenças socioculturais e de classe)
que pôde abrir caminhos para a mulher voltar a ter participação efetiva na
produção social, dando início à possibilidade de enfraquecimento do modelo de
poder patriarcal e da família monogâmica individual que, até então, havia restringido a presença das mulheres ao
ambiente doméstico. O “retorno” da mulher à vida pública ocorre, assim, pela
via da produção industrial capitalista “[...] que não apenas permite o trabalho
da mulher em grande escala, mas até o exige”
(idem: 182). Na Grã-Bretanha, berço
da Revolução Industrial, Hobsbawm (2015) relata que
os donos das fábricas encontraram muitas dificuldades em transformar campesinos
em operários disciplinados. Logo, descobriu-se que “[...] era mais conveniente
empregar as dóceis (e mais baratas) mulheres [...]” (Hobsbawm,
2015: 92).
Com o
trabalho feminino fora do lar, de acordo com a posição dos autores citados,
fatalmente, seriam percebidos abalos na estrutura da família monogâmica tal
como fora concebida. Contudo, o que se percebe é que, mesmo ao recuperarem
sutil fôlego na participação social, as mulheres não alcançam um patamar de
igualdade com os homens. Com salários menores, pouco ou nenhum direito civil e
muitas desconfianças a respeito da sua competência na vida pública, grande
parte das mulheres identificava no trabalho fora de casa apenas mais uma fadiga
que não lhes garantia benefícios.
Sabemos que a
atividade produtiva, seja na força de trabalho, na guerra ou na atividade
intelectual, é comumente e historicamente associada ao homem. Na sociedade
ocidental, conforme destaca Costa (2000: 255), há uma tendência a “[...]
enfatizar a produção, como fundamentalmente masculina, ignorando ou
subestimando as atividades relacionadas ao consumo que, na sociedade ocidental,
são majoritariamente associadas às mulheres”. Confirmando a afirmativa destacamos
de que desde o início da formatação da cultura do consumo como hoje conhecemos,
tanto as vitrines dos pequenos comércios, quanto as das grandes lojas de
departamentos e, principalmente, os volumosos anúncios publicitários, se
esmeraram no intuito de cativar a atenção feminina convertendo-as a um só tempo
em “garotas-propaganda” e em consumidoras contumazes (Rocha, Frid e Corbo, 2015).
Curiosamente,
isto posto, não será na vida do trabalho, mas sim na via do consumo – que
elegeu a mulher como protagonista – que então veremos as mais sustentáveis
ações para a alteração da situação feminina, restrita ao lar. Nesse artigo,
observamos tais ações nas dinâmicas de consumo engendradas a partir da
comercialização um bem específico: a bicicleta.
4. Comprar uma bicicleta
“Deixe-me dizer o que eu penso sobre a bicicleta. Eu penso
que ela fez mais pela emancipação feminina do que qualquer outra coisa no mundo. Eu paro e me regozijo toda vez que
vejo uma mulher pedalando[7]” (New York Sunday
World, 02-02-1896: 10). Com essa emblemática declaração, a sufragista
norte-americana Susan B. Anthony[8], deixou
clara a importância que esse bem de consumo teria na vida das mulheres.
Incialmente
direcionada ao público masculino a bicicleta ganha espaço no mercado americano
a partir da segunda metade no século XIX (Macy,
2011). O rápido e crescente interesse das mulheres por esse bem de consumo,
sobretudo durante a década de 1880, quando modelos mais seguros começam a ser
comercializados[9],
suscitou uma ampla discussão a respeito dos papéis sociais de gênero. Temia-se
que as wheelwomen
– termo que passou a designar as mulheres que pedalavam –, ao experimentarem o
ciclismo, pudessem se afastar das tarefas que lhes eram tradicionalmente imputadas
no casamento e na vida doméstica.
“Enquanto o homem estava em uma high wheeler,
estava definitivamente fora da esfera das mulheres. A acessibilidade da safety bicycle para
homens e mulheres, no entanto, levantou novas questões sociais. Uma vez que a safety bicycle
oferecia uma versão aprimorada das liberdades que a high wheeler tinha permitido aos homens,
o ato de pedalar, assim como a própria safety bicycle, eram vistos como essencialmente masculinos. O
ciclismo feminino, portanto, representava uma ameaça à definição de gênero.
Ameaçou também a pureza sexual das mulheres [...]. E, quando homens e mulheres
solteiros andavam juntos, o ciclismo ameaçava a castidade e a ordem[10].” (Garvey, 1995: 69)
Numa
estratégia habilidosa de vendas, as fábricas iniciaram uma diferenciação entre
a Safety Bicycle e a Lady’s Safety Bicycle com marcadores de gênero materializados de
maneira bastante enfática: o modelo masculino, versão standard, assumia a denominada diamond-shape, estrutura que
apresentava uma barra conectando o eixo principal e o assento – tais como os
atuais modelos masculinos de bicicleta –, diferentes do modelo feminino, que
passou a ser produzido sem essa barra na estrutura, no que veio a ser conhecido
como drop frame shape.
A ausência da barra horizontal permitia que a bicicleta fosse conduzida por
mulheres que vestiam saias com fendas. A versão feminina, contudo, tinha o
prejuízo de ser até 4,5kg mais pesada já que necessitava de um material mais
robusto na sua fabricação, uma vez que em termos estruturais, o formato
masculino de “diamante” garantia maior estabilidade ao veículo (Garvey, 1995). O antropólogo Marshall Sahlins
argumenta que na linguagem do consumo, os elementos de significação garantem
também a diferenciação “objetiva” entre homens e mulheres. Nesse sentido, ainda
segundo o autor,
“[...] a diferença entre homens e
mulheres também é "objetiva”: uma distinção do tipo concreto-perceptivo em
relação ao qual noções de objeto como "reto" e "curvo':
"duro" e "macio", “rígido" e “flexível" fazem o
papel de conceito.” (Sahlins, 2003: 194)
Essa diferenciação por contrastes perceptíveis tanto na materialidade do
objeto quanto na sua categorização simbólica reforça a oposição entre os sexos
e acentua as suas diferenças. Para Sahlins, esse jogo
semiótico tem uma razão operacional para existir e “[...] consiste na
reprodução da sociedade em um sistema de objetos não simplesmente úteis, mas
significativos, cuja utilidade realmente consiste em uma significação” (Sahlins, 2003: 202).
Nesse sentido, é enfática a percepção da materialização – no bem de
consumo bicicleta – das permanentes restrições simbólicas do acesso feminino ao
espaço público. A pesquisadora Ellen Garvey (1995)
destaca que foi amplamente disseminada a ideia de que havia um modo postural
único correto para as mulheres na condução de bicicletas. Na visão de Garvey (1995), este era mais um fator de controle que
metaforizava as reais preocupações morais em relação ao ciclismo praticado por
mulheres. Por isso, tornou-se comum a prática de posicionar guidom da Lady’s safety bicycle alguns centímetros mais
elevado do que o da versão masculina, a fim de obrigar a mulher a se
manter em uma posição constantemente ereta, alimentando a lógica inaugurada
pelos apertados espartilhos utilizados à época.
A pesquisadora Jenna E. Fleming (2015) nos lembra
que os valores da era vitoriana, vigentes no período de boom da bicicleta, afirmavam a família como uma unidade central da
sociedade. Portanto, nesse contexto, as principais preocupações das jovens
mulheres de classe média e alta no mundo anglo-americano deveriam ser o
casamento e a maternidade. Como andar de bicicleta as permitia gastar uma
quantidade substancial de tempo fora de suas casas, a prática passou a
incomodar os mais conservadores em uma época em que o desporto feminino, de um
modo geral, era visto com muita desconfiança. Assim, à medida que crescia a
participação feminina no ciclismo, surgia também um discurso alarmado sugerindo
que, por causa da bicicleta, as meninas “[...] ficariam mais preocupadas com as
pedaladas e a busca de aventura, ao invés de se concentrarem no trabalho
importantíssimo de encontrar um marido, construir um lar e cuidar de crianças[11]” (Fleming,
2015: 15). As mulheres também foram proibidas de frequentar os espaços
sagrados, como templos e igrejas, com suas bicicletas, com a justificativa de
que o seu uso era inadequado e perigoso.
Mesmo considerando a dificuldade de ter que lidar com modelos mais
pesados, com o guidom arbitrariamente posicionado, e toda a patrulha moral, é
possível afirmar que desde o início da sua comercialização, a bicicleta foi um
bem de consumo que provocou uma série de mudanças na vida das mulheres. Do
ponto de vista da presença nos espaços públicos, o uso da bicicleta afetou
definitivamente o modo como as figuras masculinas do pai e do marido controlavam
os lugares frequentados por elas, já que ficavam somente com a certeza do ponto
de partida, mas já não poderiam monitorar totalmente para onde as mulheres
estavam indo ou qual o trajeto que iriam percorrer. Outro aspecto da condição
feminina profundamente afetado pela chegada da bicicleta diz respeito à prática
de atividades físicas.
O século XIX tratava as mulheres como eternas doentes e os discursos
médicos da época demonstram a estranheza com a qual a prática de atividades ao
ar livre por mulheres foi encarada. Havia, por exemplo, a ideia de que o
esforço físico demandado pelo uso da bicicleta poderia comprometer a “frágil”
saúde feminina, além do risco de deformar partes do corpo (Fleming, 2015).
Esteve também entre os principais receios uma suposta estimulação sexual
provocada pelo selim da bicicleta (Garvey, 1995). Até
mesmo os profissionais de saúde que aprovavam a bicicleta recomendavam que o
ciclismo fosse praticado com prudência para que se evitasse qualquer tipo de
estímulo sexual. Entre as precauções estava o uso de determinados modelos de
selins que, conforme garantia o anúncio cauteloso, eram capazes de sustentar “[...]
a ciclista como uma cadeira, de modo a todo o peso ser suportado pelos ossos da
pélvis, que sozinhos tocam o assento”
(Garvey, 1995: 77, grifo nosso).
Foi também aventada a hipótese radical da infertilidade provocada pelo
uso excessivo da bicicleta por mulheres. Embora menos alardeado e sem qualquer
comprovação científica, esse argumento foi também utilizado para dissuadir as
mulheres e assustar a sociedade como um todo. Porém, mais uma vez, “[...] o
nível de interesse expresso no impacto do ciclismo na capacidade reprodutiva
feminina reflete a expectativa do papel das mulheres na época[12]” (Fleming,
2015: 15). Isso significa dizer que a presunção de algum tipo de trauma na
fertilidade nada mais era do que uma metáfora para a verdadeira preocupação: a
possibilidade de perda de controle sobre o corpo e a sexualidade feminina,
além, é claro, do potencial de distração das atividades de mãe e esposa que o
veículo provocava.
A bicicleta promovia, afinal, movimentos até então inéditos na sociedade
norte-americana como o incomum ato de abrir ligeiramente as pernas em público
para poder se sentar no veículo. Além disso, o veículo acelerou a reforma do
vestuário, uma demanda que já havia sido levantada por mulheres progressistas
em diversos países, mas que ganha novo fôlego com a chegada da bicicleta e a
ascensão dos bloomers
– uma espécie de calça bufante que era colocada por baixo de saias mais curtas
e que garantiam movimentos mais livres para as pedaladas.
Todo esse aprimoramento na mobilidade significou,
em verdade, muito mais do que simplesmente respirar novos ares com indumentária
mais leve. A bicicleta apresentou para as mulheres do final do século XIX a
ideia de que elas poderiam alcançar novos patamares na vida social, desde que
fizessem resistência ao status quo e
que fossem capazes de se unir em torno de uma causa única:
“Essa nova consciência seria um importante fator contribuinte para o
impulso do sufrágio feminino durante o início do século XX. Embora possa
parecer um componente arbitrário na longa história desta campanha, a bicicleta
desempenhou um papel importante ao fornecer às mulheres uma causa de apoio
comum à medida que aprendiam a unir-se para defender uma reforma tão necessária[13].” (Fleming, 2015: 23)
As
sufragistas norte-americanas, feministas da Primeira Onda[14],
se apropriaram da bicicleta como um produto que ultrapassou a sua utilidade
prática de meio de transporte, vertendo-se em um código cultural que significou
para elas a conquista de maior liberdade e direitos sociais:
“Muitas das
ativistas femininas mais conhecidas da época se aproveitaram de sua distinção
para dar voz ao uso da bicicleta. Mulheres como Susan B. Anthony, Elizabeth Cady Stanton e Frances E. Willard
publicaram livros e ensaios ou proferiram discursos sobre o assunto. Além de
fazer uso desses fóruns públicos, elas abordaram o tópico em redações privadas,
como cartas. Através de várias formas de escrita, mulheres de diferentes
posições sociais assumiram a responsabilidade de divulgar os méritos da
bicicleta e compartilhar suas próprias experiências[15].” (idem:
16-17)
Na linguagem
do consumo, inferimos que o uso da bicicleta passou, então, a representar
visões mais liberais dos papéis e relações de gênero, como era o caso da
ampliação do acesso ao espaço público e da luta pelo direito ao voto. A
despeito dos ajustes morais que diferenciavam a bicicleta masculina da
feminina, a simples oferta desse produto com as suas respectivas dinâmicas de
consumo pavimentaram terreno para uma significativa mudança sociocultural.
Nesse sentido, Fleming (2015) ressalta que para além do efetivo uso da bicicleta é importante entender
os impactos que a sua simples existência
proporcionou. Isto porque até mesmo as mulheres que nunca pedalaram foram
afetadas pelas transformações que a venda de bicicletas produziu.
Vale lembrar
que o contexto em que tudo isso ocorre é um momento de expressiva transformação
na vida social com a consolidação do sistema industrial, a expansão dos
mercados internacionais e o fortalecimento de uma cultura de massas, onde se
torna possível, portanto, que um bem de consumo importado possa influenciar
comportamentos em diversos lugares[16].
Além disso, nesse período, o mercado editorial de revistas destinadas ao
público de classe média modifica o “modelo de negócio” – anacronismo pertinente
ao caso –, deslocando os dividendos das assinaturas e vendas unitárias para a
venda de espaços publicitários e editoriais pagos por empresas: “Em outras
palavras, os editores mudaram sua transação da venda de uma revista para
leitores para a venda de leitores para anunciantes[17]”
(Garvey, 1995: 82).
Nesse
contexto, chamam atenção as estratégias utilizadas pela comunicação
publicitária voltada especificamente para a venda de bicicletas destinadas ao
público feminino. Afinal, como convencer esse público a adotar um bem de
consumo tão antagonizado? É certo que as
marcas de bicicleta da época objetivavam tão somente a expansão do seu mercado
consumidor. Todavia, é inevitável observar o efeito colateral provocado por
esta certa “facilitação” do acesso do público feminino ao ciclismo. Afinal,
como nos ensina Kopytoff (2010: 89), a chegada de um
novo produto se constitui em um processo cognitivo cultural, já que “[...] as
mercadorias devem ser não apenas produzidas materialmente como coisas, mas
também culturalmente sinalizadas como um determinado tipo de coisas”.
Os anúncios
publicitários se constituíram, em verdade, nos “primeiros espaços” onde as
mulheres puderam pedalar livremente, a despeito da crítica social – isto é, no
mundo fictício da publicidade, era comum ver em diversas ilustrações, a imagem
da “nova mulher” usando a bicicleta embora, de fato, nas ruas, as primeiras wheelwomen encontrassem resistência e
preconceitos. Outro recurso publicitário que alimentava o imaginário e fazia
crescer o desejo feminino pelo novo bem de consumo eram as matérias
patrocinadas por fabricantes de bicicletas, que contavam histórias fictícias
positivas sobre o uso do veículo por mulheres nas mesmas revistas que estavam
agora mais acessíveis:
“Como os medos que o ciclismo
feminino provocava eram sociais, a ficção, com sua articulação de relações
sociais, foi mais ajustada do que textos médicos ou outros artigos para tirar o
ferrão desses medos [...] A ficção carregava o fardo de instruir os leitores
nas complexidades do significado social da bicicleta, investindo-a com romance
e glamour, e tranquilizando os leitores de que andar de bicicleta não
atrapalharia a vida social[18].” (Garvey, 1995: 84)
A
publicidade, sendo a via pela qual o consumo fala (Rocha, 1985), reuniu
conceitos e modelos transgressores de feminilidade da época – feminista,
ciclista, sufragista, wheelwoman
e bloomergirl[19]
– em uma única expressão, mais sintética, atraente e persuasiva: a “nova
mulher”. David Ogilvy (1982) escreveu no seu livro
autobiográfico, Confissões de um
publicitário, que o sonho de todo redator publicitário é poder colocar a
palavra “grátis” em um anúncio, para gerar atrativo. Não sendo possível, a
melhor substituta é a palavra “novo”. A novidade interessa à publicidade porque
suscita a invenção, a ficção. No contexto que estamos analisando, é possível
observar que a construção da ideia de novidade está para além das características
tangíveis do produto bicicleta – que em si já era uma nova forma de locomoção.
A novidade associada ao veículo foi pensada além, de maneira a alimentar um
ideal libertário e feminista que estava sendo gestado nas sociedades
desenvolvidas – isto é, representava um “novo modelo” de mulher e de
feminilidade.
5. As possibilidades discursivas da
cultura do consumo
Mary Douglas
e Baron Isherwood (2004) propõem, na obra O mundo dos bens, o nascimento de uma
antropologia do consumo. A antropologia é uma disciplina que muitos julgam
abordar apenas eventos passados, olhando exclusivamente para trás, porém,
conforme qualifica Daniel Miller, a antropologia do consumo está, na verdade, “[...]
singularmente equipada para enfrentar os dilemas centrais da vida moderna [...]”
(Miller, 2013: 17). Isso porque os bens são a parte visível de uma cultura e,
desse modo, comunicam significados e valores que permitem ao antropólogo uma
leitura mais profunda da própria lógica humana ou, em palavras mais precisas,
da antropo-lógica.
Assim, de fato, afirma Rocha (1985: 66) ao sentenciar que “[...] é pelo consumo
e em seu interior que algumas das mais humanas das práticas encontram espaço de
realização”.
Miller (1987)
propõe, ainda nesse sentido, uma aproximação com a fenomenologia de Hegel para
investigar as temáticas do consumo e da cultura material. Diante das
possibilidades de leitura do termo “objetificação”, que o autor toma de
empréstimo da obra hegeliana, Miller esclarece que o recurso metodológico da
fenomenologia age no sentido da “superação” do processo dialético do objeto.
Assim, ele entende a objetificação como um conceito não reducionista que visa
dar conta da dinâmica produzida entre o sujeito (cultural) e os bens por ele
produzidos que, na visão do autor, em verdade, se “inventam” mutuamente. Nesse
raciocínio, os bens “objetificam” as vontades humanas
num processo de exteriorização e subsequente reincorporação. Assim, diante dos
dados apresentador nesse artigo e na linha dos estudos de Daniel Miller,
torna-se possível inferir que a bicicleta e a narrativa publicitária produzida
em seu entorno materializavam, ou ainda, “objetificavam”
a categoria social da “nova mulher” que adentra o século XX pedalando e com
mais acesso a direitos civis e à vida pública.
Em outra
interpretação direcionada pelas teses do importante filósofo da comunicação,
Marshall McLuhan, compreendemos que “[...] qualquer
tecnologia pode fazer tudo, menos somar-se ao que já somos” (McLuhan, 1974: 26). Com essa afirmação categórica, como é
peculiar ao autor, McLuhan chama atenção para o
potencial dos meios ou tecnologias de afetarem o comportamento humano
diretamente, transformando-o em definitivo, já que os meios são, para o autor,
extensões de nossos sentidos ou corporeidade. A partir deste entendimento, o
autor vai além e delibera que o meio é em si a própria mensagem. A definição de
meio na obra mcluhiana,
é insólita já que nas traduções para a língua portuguesa o termo é ora tratado
como sinônimo para mídia, ora para tecnologia e, por vezes, assume similitude
com a palavra coisa. Por exemplo, na
obra Media: the
extensions of man, meio serve
como referencial anafórico na redação do autor tanto para luz elétrica, quanto
para televisão, avião e, até mesmo, bicicleta. De tal modo, é possível enxergar
em McLuhan (1974), especialmente na sua compreensão
de que “o meio é a mensagem” a mesma linha de raciocínio utilizada pelos
antropólogos do consumo que pensam os aspectos comunicacionais dos bens.
Para McLuhan (1974), a luz elétrica é o melhor exemplo para
explicação de sua tese, uma vez que por não ser considerado um meio de
comunicação, não possuiria “conteúdo” ou mensagens. No entanto, destaca o
autor, desde uma cirurgia no cérebro até uma partida noturna de baseball,
muitas são as “mensagens” que só puderam ser emitidas pelos seres humanos a
partir da existência da luz elétrica.
Seguindo a linha em que se constrói esse raciocínio, torna-se possível observar
como se operam as mensagens “emitidas” pelos bens de consumo: o conteúdo está
implícito nas possibilidades culturais, e humanas, por suposto, que o produto
admite.
A bicicleta,
nesse entendimento, representou o meio e a própria mensagem pois, antes mesmo de ser adotada por um número
significativo de mulheres, já emitia os seus significados incômodos para aquela
sociedade. As mulheres que, por sua vez, compreenderam tal mensagem, enxergaram
a “rota de fuga” possibilitada por esse bem de consumo. A partir daí, uniram-se
em torno de causas comuns e, talvez pela primeira vez na História moderna,
lutaram por objetivos que visavam o seu benefício enquanto classe – como a
reforma do vestuário, o incentivo ao esporte e, mais tarde, o sufrágio. Nesse
sentido, é possível considerar que “[...] tendo visto a maneira bem-sucedida de
uma campanha coletiva que pôde realizar um objetivo comum [o ciclismo], as
mulheres da classe média e alta mobilizariam seus recursos para liderar outras
cruzadas sociais[20]”
(Fleming, 2015: 23).
6.
Considerações finais: mulheres em movimento
Ao aproximar
as práticas de consumo das pautas emancipatórias dos movimentos de mulheres do
início do século XX, este artigo buscou enfatizar os aspectos culturais e
antropológicos que os bens de consumo, enquanto sistema de comunicação, emitem
na autoproclamada como “sociedade de consumo”. Nesse sentido, observa-se, em
concordância com Jean Baudrillard – pensador que aborda os estudos do consumo
sob a perspectiva comunicacional –, que os bens organizam uma linguagem não-verbal
nas sociedades humanas:
“[o que é] [...]
verdade para a comunicação da linguagem é também para os bens e os produtos. O
consumo é troca. Um consumidor nunca está só, tal como um locutor. E aqui que
deve intervir uma revolução total na análise do consumo: assim como a linguagem
não existe porque existia a necessidade individual de falar [...] assim
também não há “consumo” porque haveria necessidade objetiva de consumir,
intenção final do sujeito para com o objeto: há produção social, num sistema de
troca, de um material de diferenças, de um código de significações e valores
estatutários [...].” (Baudrillard, 1972: 74)
O consumo é,
portanto, um “[...] sistema de comunicação e de permuta, como código de signos
continuamente emitidos, recebidos e inventados, como linguagem” (Baudrillard, 2011: 113). E, nesta lógica, destacamos
que é através da narrativa publicitária que o consumo efetivamente fala,
admitindo a invenção de mundos e funcionando como uma espécie de “[...] viveiro
simbólico [...] [que] lança no mercado discursivo histórias que, fundadas na
arte da ficção, promovem, implícita ou explicitamente, atributos dos produtos e
serviços” (Carrascoza, 2014: 155).
A definição
da publicidade como um discurso ficcional – muito embora ela seja um discurso
com o compromisso pragmático da venda – é defendida por muitos pesquisadores do
campo da Comunicação Social (Carrascoza, 2014; Rocha,
1985; McLuhan, 1974). Carrascoza
(2014) assevera o aspecto ficcional da publicidade, ao nos lembrar que tal como
a literatura ficcional que produz espaços imaginários como a Terra do Nunca de Peter Pan ou O mundo de OZ, a publicidade também
inventa seus próprios territórios como a Terra
de Marlboro ou o Universo Budweiser.
Assim, compreendemos que no mundo dos anúncios, onde coisas incríveis
acontecem, lugares fantasiosos tomam forma, animais podem falar e objetos
ganham vida (Rocha, 1985), as mulheres da virada dos séculos XIX para XX
puderam também se enxergar de uma maneira diferente da experimentada na
realidade: mais livres, ocupando os espaços públicos e pedalando suas
bicicletas.
Importa
ressaltar que o recorte aplicado nesse artigo se vale de um ditado popular para
pensar como as narrativas e práticas da cultura consumo produziram efeitos
notadamente positivos para as mulheres que estiveram por muito tempo restritas ao
lar e às determinações do casamento. Nesse sentido, inferimos que ao oferecer
para as mulheres produtos semelhantes aos utilizados pelos homens, a cultura do
consumo comunicava algum grau de igualdade social entre os sexos. Bicicletas,
calças e outros bens de consumo a eles atrelados, ao serem compreendidos como
signos comunicacionais, embaralharam definitivamente a dinâmica da separação
das esferas entre público-masculino e privado-feminino.
O que intentamos demonstrar é que – a partir
da lógica binária na qual os filósofos, historiadores e
cientistas sociais costumam se basear para explicar a condição humana –
fenômenos, que na prática são indissociáveis, assumem caráter dicotômico.
Entretanto, tais dicotomias tendem a se desmantelar nas dinâmicas da cultura do
consumo. Elaboramos, para efeito de análise, o quadro 1 onde se apresentam as
oposições exploradas, de alguma maneira, ao longo deste texto e que servem de
base para a argumentação que será apresentada em seguida:
Quadro
1. Homem x Mulher
Masculino |
Feminino |
Propriedade |
Herança |
Poder |
Submissão |
Público |
Privado |
Razão |
Emoção |
Realidade |
Ficção |
Produção |
Consumo |
Fonte: própria
autoria.
Conforme
apresentado anteriormente, no argumento político-feminista, entende-se que tais
dicotomias operam de maneira a privilegiar uma das partes do par e, nesse
sentido, a primeira coluna contém os conceitos e categorias sociais
consideradas superiores em relação à segunda coluna. Porém, o argumento que
sustentamos é que: os discursos do consumo, ao se valerem da mistura entre o
empírico e o imaginário (como é próprio da ficção), conseguem manejar essas
oposições – suavizando ou relativizando as dicotomias – a fim de produzir a
adesão ao consumo. Senão, vejamos: para vender bicicletas era preciso
considerar que o espaço público também poderia ser frequentado
por mulheres. Para tanto, são
lançadas versões femininas do produto
idealizado incialmente para o público masculino.
Ademais, ao eleger as mulheres como as protagonistas da cena do consumo, as narrativas publicitárias ficcionais consideram, portanto, que
elas podem ser proprietárias de
determinados produtos na “vida real”.
Na virada do século XIX para o século XX, o fortalecimento do fenômeno do
consumo – sustentado, em grande parte, pelo surgimento dos grandes magazines
(Rocha, Frid e Corbo, 2016) – garante uma mudança
cultural que, de tão significativa, passa a configurar o espaço social urbano
como a “sociedade de consumo”. Assim, se o objetivo da cultura patriarcal
alicerçada, como vimos, no status bárbaro
da mulher (Veblen, 1889) era manter a dinâmica
das esferas separadas a fim de reificar a posição de submissão feminina, podemos afirmar que o credenciamento das
mulheres como consumidoras por excelência ofereceu a elas um tipo de poder não previsto. Diferentemente da
inócua entrada das mulheres no mundo da produção, a sua massiva participação na
cultura do consumo foi, então, o golpe que efetivamente abalou as estruturas
binárias que garantiam a separação dos mundos masculino e feminino.
Embora a divisão entre produção
e consumo seja meramente
semântica – já que, como nos ensinou Marx, “[...] sem produção, nenhum consumo;
sem consumo, nenhuma produção” (Marx, 2011: 67) – a humanidade se esmerou
na construção de significados que denotam uma separação e sexualização
dessas duas engrenagens fundamentais do capitalismo: produção-masculina e
consumo-feminino. A publicidade, por sua vez, cumpre a função de estabelecer o
vínculo mágico entre produção e consumo, com o seu discurso que é, a um só
tempo, ficcional e classificatório. Dito de outro modo: se a indústria cria os
produtos para consumo, é a publicidade quem inventa os consumidores para esses
produtos, construindo sua narrativa de vanguarda – já que sempre busca capturar
o “novo”.
Por essa
razão, ainda que se tenha tentado sustentar a ideia de que a produção seria um
espaço identificado como exclusivamente masculino, os bens ali produzidos eram
(e ainda são) ofertados a todos e todas, com o agravante de a cena do consumo
ser identificada como predominantemente feminina. Ora, se essa separação é
virtual e não concreta, então, é possível afirmar que é através do aspecto
comunicacional do consumo – seja na sua própria materialidade ou nas narrativas
publicitárias – que se desnuda a contradição presente nos discursos que ainda
tentam cultivar a desigualdade entre os sexos. Por fim, parece fazer sentido
encerrar este texto retomando o ditado que ecoa a dúvida “casar ou comprar uma
bicicleta?” para parafraseá-lo sugerindo: “se for casar, compre uma bicicleta”.
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[1] Informação disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/dicionario-explica-o-significado-das-expressoes-populares-baniioznyno161e3vpfxoomdq/ [15-02-2024].
[2] 1.350.000 em pesquisa realizada em
14/02/2024.
[3] Essa e todas as demais traduções do inglês para o português são nossas.
[...] Plato used the categories reason/emotion and
universal/particular; for Hegel and Rousseau public/private, male/female and
reason/nature proved useful; Marx employed production/reproduction,
mental/manual, freedom/necessity; and Descartes emphasized mind/body,
human/nature and the subject/object to name but a few. The feminist argument is
that these dichotomies operate in a way that privileges one of each pair so
that, for example, reason, mind and male are deemed superior to emotion, body
and female. […] In this way female has come to be defined by what male is not
(an incomplete man) and has become associated with other linked inferior terms:
emotion, body, object, and so on. Indeed these
dichotomies, created by culture and Society, have often taken on a ‘natural’ or
biological basis or justification.
[4] [...] predatory
life.
[5] [...] tolerant
of any infliction of damage and suffering.
[6] [...] peaceable
industrial life.
[7] Let me tell you
what I think of bicycling. I think it has done more to emancipate women than
anything else in the world. I stand and rejoice every time I see a woman ride
by on a wheel.
[8] Susan B. Anthony é reconhecida, ao lado de Elizabeth Stanton,
como pioneira na atuação
política feminista nos EUA. Organizou a 1ª Convenção pelos direitos das mulheres em 1848 e participou da criação da National Woman Suffrage Association, em 1869. Pela sua contribuição na história daquele país, Susan foi homenageada com o seu rosto cunhado na moeda comemorativa de 1 dólar entre 1979 e 1981.
[9] Os primeiros modelos fabricados nos EUA são
conhecidos como high wheeler e dispõem
de uma roda bem grande posterior
e outra menor na parte de trás.
Esse modelo de veículo era
difícil de subir, perigoso para dirigir, e seu formato não permitia o uso de mulheres com as longas saias comuns ao vestuário
do século XIX. Somente com a chegada da Safety Bicycle
na década de 1880, o produto se torna, de fato, acessível para o público feminino
(Garvey, 1995).
[10] As long as such
a man was on a high wheeler, he was definitively outside women's sphere. The
safety bicycle's accessibility to both men and women, however, raised new
social issues. Since riding a safety offered an enhanced version of the
freedoms that riding a high wheeler had allowed men, the act of riding, as well
as the safety bicycle itself, was seen as essentially masculine. Women's riding
therefore posed a threat to gender definition. It threatened women's sexual
purity as well, as will be discussed below. And, when unmarried men and women
rode together, cycling threatened chastity and order.
[11] […] would
become preoccupied with riding and the pursuit of adventure rather than
focusing on the all-important work of finding a husband, building a home, and
bearing and caring for children.
[12] [...] the level
of interest expressed in cycling’s impact on female reproductive abilities
reflects perceptions of women’s roles.
[13] This new
consciousness would be an important contributing factor in the eventually
successful push for women’s suffrage during the early twentieth century. Though
it may seem an arbitrary component in the lengthy history of this campaign, the
bicycle played an important part through providing women with a cause to
support as they learned how to unify to advocate for much needed reform.
[14] O movimento feminista é historicamente
dividido em Ondas de ocorrências
mundiais. A primeira delas, que ocorre entre o final do
século XIX e início do século XX, tem com pauta central o sufrágio
universal.
[15] Many of the most
well-known female activists of the time took advantage of their distinction to
voice support for use of the bicycle. Women including Susan B. Anthony,
Elizabeth Cady Stanton, and Frances E. Willard published books and essays or
delivered speeches on the subject. In addition to making use of these public
forums, they addressed the topic in private writings such as letters. Through
various forms of writing, women of differing social positions took
responsibility for publicizing the merits of the bicycle and sharing their own
experiences.
[16] Inclusive no
Brasil, já que as primeiras
fábricas de bicicleta nacionais são
da década de 1940 (Schetino, 2007).
[17] In other words,
publishers shifted their transaction from the sale of a magazine to readers to
the sale of readers to advertisers.
[18] Because the
fears women's bicycling raised were social, fiction, with its articulation of
social relationships, was better adapted than medical or other articles to
taking the sting out of those fears (…). Fiction carried the burden of instructing
the readers in the complexities of the bicycle's social meaning, investing it
with romance and glamour, and reassuring readers that riding would not disrupt
social order.
[19] Termo que identificava também as ciclistas,
já que o uso de bloomers era muito
comum entre elas.
[20] Having seen the
way in which a collective campaign could accomplish a shared goal, middle- and
upper-class women would later mobilize their resources to lead other social
crusades.