“Desocupadas”
no estado do Maranhão: desigualdade de gênero e os impactos
da colonialidade no desemprego feminino
“Unemployed”
in the state of Maranhão: gender inequality and the impacts
of coloniality
on female unemployment
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Valéria Cristina Lopes
dos Santos Souza |
Ester Avelar S. R. Mariz |
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Universidade Federal do Maranhão – Brasil |
Universidade Federal do Maranhão - Brasil |
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Ana Caroline Amorim
Oliveira |
Márcia Manir Miguel Feitosa |
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Universidade Federal do Maranhão – Brasil |
Universidade Federal do Maranhão – Brasil |
Recibido:
19-02-2025
Aceptado:
05-05-2025
Resumo
Este
artigo investiga como a colonialidade de gênero
influencia o desemprego feminino no Maranhão, destacando o uso inadequado do
termo “desocupadas” pelo IMESC, que invisibiliza o trabalho informal e não
remunerado. A pesquisa, baseada em revisão de literatura e análise documental
sobre o período de 2023-2024, evidencia que o mercado de trabalho feminino é
marcado por lógicas patriarcais que afetam principalmente mulheres negras, que
ocupam postos precários e mal remunerados. Os resultados indicam que a colonialidade de gênero perpetua desigualdades estruturais,
reforçando a marginalização das mulheres no mercado de trabalho. A pesquisa
baseia-se em Quijano, Lugones,
Saffioti e Butler, e propõe
a revisão crítica das políticas públicas e da categorização de trabalho
feminino.
Palavras-chave: colonialidade, gênero,
desemprego feminino.
Abstract
This article
investigates how gender coloniality influences female unemployment in Maranhão, highlighting
the inappropriate use of the term
“desocupadas” by IMESC, which
erases informal and unpaid work. The research, based on a literature review and documentary
analysis covering the period from
2023 to 2024, shows that the female labor market is shaped
by patriarchal logics that primarily
affect Black women, who occupy precarious
and poorly paid positions. The findings indicate that gender coloniality
perpetuates structural inequalities, reinforcing the marginalization of women in the
labor market. The research is grounded in the works of
Quijano, Lugones, Saffioti, and Butler,
and proposes a critical review of public policies and the categorization
of women's work.
Keywords: coloniality; gender; female unemployment.
1. Introdução[1]
O presente artigo tem como escopo principal investigar a relação entre colonialidade de gênero e desemprego feminino na
contemporaneidade, com foco específico no Estado do Maranhão. Para alcançar tal
intento, articula-se as categorias gênero, desemprego, colonialidade
e precariedade, argumentando que a colonialidade de
gênero ainda influência de forma significativa as dinâmicas do mercado de
trabalho ao perpetuar desigualdades sociais estruturais, e principalmente
gerando desemprego local.
Além disso, busca-se levantar um questionamento acerca do uso inadequado
da palavra “desocupadas” para designar mulheres que se encontram fora do
mercado de trabalho formal. O referido termo se encontra amplamente utilizado
na base dados do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e
Cartográficos (IMESC) e é a principal fonte de dados estatísticos utilizado na
presente pesquisa. Desse modo, o intento é tensionar
a terminologia “desocupadas” e suscitar a reflexão acerca da invisibilidade do
trabalho informal e do trabalho de cuidado não remunerado, frequentemente
realizado por muitas mulheres contempladas nas estatísticas.
A revisão de literatura e pesquisa documental se dará a partir do
levantamento de documentos históricos, dados estatísticos, notícias e produções
acadêmicas relevantes que tratem acerca do tema proposto. O critério de seleção
será baseado na relevância do tema e no período histórico delimitado entre os
anos de 2023 e 2024, que compreende o contexto sociopolítico recente.
Como questão de pesquisa, pretende-se entender como a colonialidade de gênero impacta no desemprego feminino. O
objetivo é explorar a intersecção de gênero, desemprego e colonialidade,
buscando respaldo nas teorias de Aníbal Quijano
(2005) sobre a colonialidade do Poder e divisão racial
do trabalho; María Lugones
(2008) sobre a colonialidade de gênero; Judith Butler (2015) sobre precariedade e reconhecimento, e Heleieth Saffioti (1976) sobre o
poder patriarcal e suas opressões contra o feminino.
A pesquisa revela que o mercado de trabalho feminino é estruturado de
forma patriarcal e hierárquica, o que afeta negativamente as mulheres e
contribui para o aumento do desemprego local, conforme indicam os dados de
desocupação no Maranhão. No presente estudo, adota-se a distinção entre raça e
etnia para melhor compreensão das desigualdades analisadas. A raça é entendida
como uma construção social baseada em características fenotípicas, como cor de
pele e traços físicos, que historicamente fundamentou hierarquizações sociais
durante o processo colonial. Já a etnia refere-se a elementos culturais
compartilhados, como língua, religião e práticas tradicionais. Tal
diferenciação é crucial para analisar como a colonialidade
de gênero impacta diferentemente grupos racializadas, especialmente mulheres
negras no Maranhão. Ademais, argumentamos que a colonialidade
de gênero ainda influencia de forma significativa as dinâmicas do mercado de
trabalho maranhense, perpetuando desigualdade.
2. Objetivos
O presente
artigo tem como objetivo central investigar de que maneira a colonialidade de gênero influencia o desemprego feminino no
estado do Maranhão, destacando as interseções entre as estruturas coloniais
históricas e as desigualdades contemporâneas no mercado de trabalho. Parte-se
da compreensão de que a colonialidade não se
restringe a um legado histórico, mas opera como um sistema ainda vigente, que
organiza hierarquias raciais, sexuais e de classe, refletidas especialmente na
realidade das mulheres negras e periféricas.
Nesse sentido, pretende-se
analisar criticamente o uso recorrente do termo “desocupadas”, utilizado pelo
Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC), como
uma categoria estatística que, ao ignorar o trabalho informal e o trabalho de
cuidado não remunerado, contribui para a invisibilização
do trabalho feminino e reforça as lógicas de exclusão do capitalismo
patriarcal.
Outro objetivo é tensionar
as inter-relações entre gênero, raça e classe social, refletindo sobre como a
estrutura patriarcal e racializadas do mercado de trabalho maranhense se
mantém, mesmo diante de políticas públicas supostamente inclusivas. A pesquisa
fundamenta-se teoricamente nas contribuições de Aníbal Quijano,
com o conceito de colonialidade do poder; María Lugones, ao desenvolver a
noção de colonialidade de gênero; Heleieth
Saffioti, ao denunciar a marginalização histórica da
mulher na sociedade de classes; Judith Butler, ao
propor uma crítica da precariedade como categoria ética e política.
Por fim, busca-se avaliar
dados estatísticos e documentais do período de 2023 a 2024, de modo a propor
uma análise crítica sobre as estratégias de enfrentamento ao desemprego
feminino no Maranhão, ressaltando a importância de políticas públicas que reconheçam
e valorizem os diversos modos de trabalho realizados pelas mulheres,
especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social.
3. Metodologia
A pesquisa utiliza revisão de literatura e análise
documental, incorporando documentos históricos, dados estatísticos, notícias e
produções acadêmicas relevantes. A seleção do material é baseada na relevância
para o tema e no recorte temporal de 2023-2024, considerando o contexto
sociopolítico recente. O estudo fundamenta-se teoricamente nas contribuições de
Aníbal Quijano, com o conceito decolonialidade
do poder; María Lugones, ao
desenvolver a noção colonialidade de gênero; Heleieth Saffioti, ao denunciar a
marginalização histórica da mulher na sociedade de classes; e Judith Butler, ao propor uma crítica da precariedade como
categoria ética e política.
4. Resultados
Os dados analisados indicam que o mercado de trabalho
feminino no Maranhão é estruturado de forma patriarcal e hierárquica, o que
impacta negativamente as mulheres e contribui para altos índices de desemprego.
Corroborando essa análise, estudos brasileiros como os de Sueli Carneiro (2011)
e Lélia Gonzales (2020) evidenciam que a estrutura
racializadas do trabalho coloca as mulheres Negras nas posições mais precarizadas e mal remuneradas. Dados do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2022) indicam que, no Brasil, mulheres
negras apresentam as maiores taxas de desemprego (16,7%) e a menor média
salarial (apenas 44% do rendimento dos homens brancos). No Maranhão, o cenário
se agrava, com altas taxas de informalidade e subocupação
feminina, especialmente entre mulheres negras, conforme apontam os dados no
IMESC (2024).
O uso do termo
“desocupadas” mascara a participação das mulheres em formas de trabalho precarizadas, reforçando a falta de reconhecimento de suas
atividades laborais. O estudo evidencia que mulheres negras são as mais
afetadas pela interseção entre raça, classe e gênero, ocupando postos de
trabalho informais e subvalorizados.
5. Discussão
5.1. Colonialismo e colonialidade: desigualdade de gênero e seus efeitos
contemporâneos
O colonialismo moderno, ocorrido entre os séculos XV e XIX, se
caracterizou pela dominação extensiva sobre territórios, culturas, políticas e
economias de nações subjugadas, conhecidas como colônias. Neste contexto, as
colônias eram governadas por um Estado metropolitano que exercia soberania
sobre o território conquistado. Assim se construíam as múltiplas formas de
opressão em raça, gênero e classe (Paiva de Carvalho, 2023).
Haja vista a exploração direta das colônias, bem como seu controle
político e cultural, é possível afirmar que o colonialismo se manifestou de
formas diversas ao longo dos séculos, bem como foi capaz de produzir uma série
de impactos sociais, culturais e econômicos, sobretudo nos territórios
subjugados.
Dentre as repercussões do colonialismo nas colônias, podemos citar a
criação de desigualdades econômicas e sociais estruturais; a hibridização
cultural, frequentemente acompanhada pela erosão das tradições locais, e a
fragilização das dinâmicas políticas.
Tais efeitos não se limitaram ao período colonial, pelo contrário,
continuam a influenciar a realidade atual sob novas formas. A dominação
colonial ainda persiste nos dias de hoje através da colonialidade,
um conceito que examina como as estruturas de poder e as desigualdades
estabelecidas durante o período colonial continuam a influenciar o mundo
contemporâneo.
A colonialidade, portanto, é uma espécie de
continuação do fenômeno do colonialismo, e “se mantém viva no saber, na
cultura, no senso-comum, na autoimagem, no cotidiano, enfim, na experiência
moderna do sistema-mundo colonial” (Maldonado-Torres, 2018: 131). Entende-se
por colonialidade a “dimensão simbólica do
colonialismo que mantém as relações de poder que se desprenderam da prática e
dos discursos sustentados pelos colonizadores para manter a exploração dos
povos colonizados” (Tonial, Maheirie
e Garcia Jr, 2017: 19).
“Tratamos como colonialismo, o movimento de dominação de um povo sobre
outro a partir de uma relação verticalizada que se encerrou em datado período
histórico, com a independência dos países colonizados e a colonialidade
trata-se da perpetuação desse movimento que, mesmo após ter sido encerrado
historicamente com a independência dos países, ainda possui uma grande força de
dominação em diferentes âmbitos da vida dos povos que foram colonizados” (Maia
e Melo, 2020: 232).
Em outras palavras, mesmo após o período histórico da colonização
moderna ter findado, a lógica colonial continua a influenciar o mundo nos
séculos seguintes, mantendo a subalternização dos povos colonizados e a
supremacia das potências coloniais.
Nesse sentido, o sociólogo peruano Aníbal Quijano,
ao analisar os legados duradouros do colonialismo, desenvolve o conceito de colonialidade do poder para discutir de que modo as
estruturas de poder implementadas durante o período colonial ainda influenciam
e moldam a sociedade atual mesmo após o seu fim. O conceito de colonialidade do poder foi amplamente utilizado pelo grupo
de estudos modernidade/colonialidade, que tratam
sobre “noções, raciocínios e conceitos que lhe conferem uma identidade e um
vocabulário próprio, contribuindo para renovação analítica e utópica das
ciências sociais latino-americanas do século XXI” (Ballestrin,
2013: 99).
“A expressão “colonialidade do poder” designa
um processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que
articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a
hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro
Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas globais” (Ibídem: 100).
Assim sendo, falar de colonialidade do poder é
falar das maneiras pelas quais colonialismo estabeleceu um sistema de poder que
organiza e molda as relações políticas, econômicas e sociais mesmo depois da
independência das colônias, até os dias atuais. Um aspecto central da colonialidade do poder é a utilização do conceito de raça
para hierarquizar/classificar sujeitos, justificando assim a subjugação entre
os seres humanos.
Nesse sentido, é importante destacar, para os fins desta análise, a
distinção conceitual entre “raça” e “etnia”, muitas vezes tratadas de forma
imprecisa no discurso social e até mesmo em produções acadêmicas. A raça, neste
estudo, é compreendida como uma construção social baseada em características fenotípicas
– como cor de pele, textura do cabelo e traços físicos – historicamente
utilizada como critério de hierarquização entre grupos humanos, especialmente
durante o período colonial. Tal categorização foi instrumentalizada para
justificar a dominação europeia e permanece como fundamento das estruturas
contemporâneas de desigualdade. Já a etnia refere-se a elementos culturais
compartilhados por um grupo, tais como idioma, religião, tradições, sistema de
valores e formas de organização social (Carneiro, 2011). Essa diferenciação é
essencial para compreender como as desigualdades se manifestam de forma
distinta entre diferentes grupos de mulheres, uma vez que a colonialidade
de gênero afeta de maneira mais intensa aquelas que, além de serem mulheres,
também são racializadas — sobretudo mulheres negras — e pertencentes a
contextos culturais subalternizados (Ibídem).
A racialização dos povos implementada durante
o período colonial foi utilizada para legitimar a suposta superioridade dos
colonizadores sobre os colonizados. Segundo Quijano
(2005), essa ideia de raça é criada junto com a colonização, ou seja, é neste
momento que a raça se consolida como elemento de “naturalização das relações
coloniais de dominação entre europeus e não-europeus” (Quijano,
2005: 118).
Desse modo, raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a
distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papeis na estrutura de
poder da nova sociedade. Isto é, no modo básico de classificação social
universal da população mundial (Ibídem).
Partindo desse pressuposto, emerge uma estrutura social profundamente
marcada pela racialização, na qual o europeu branco é
visto como superior, enquanto os corpos não brancos e não europeus são
marginalizados e considerados naturalmente inferiores. Essa configuração
perpetua a lógica de poder entre dominantes e dominados, mesmo após a
descolonização, criando novas maneiras de validar antigas práticas de
hierarquia entre os envolvidos.
“A ideia de raça pode ter surgido em razão das
diferenças fenotípicas, mas tem como principal função promover a classificação
de superioridade de um povo em relação ao outro, e para legitimar a
subordinação do povo considerado inferior, os colonizados. O conceito segregador da ideia de raça surge embasado por uma
fundamentação teórica que é primordial para a sua validação” (Maia e Melo,
2020: 232).
Desde a colonização, o conceito de raça tem sido usado para justificar
estratificações e violências. Consequentemente, as novas identidades formadas
com base na ideia de raça foram ligadas a determinadas funções e posições na
nova estrutura global de controle do trabalho.
Assim sendo, raça e divisão do trabalho se interligaram estruturalmente,
reforçando-se de forma mútua para definir quem deve exercer qual tipo de
trabalho/função e por quê. Nesse aspecto, Maia e Melo reiteram:
“A partir dessas bases criadas na colonização, a população das Américas
e do mundo foi classificada nesse novo padrão de poder europeu. Padrão que é
naturalizado por todos e cria identidades novas, hierarquias, papeis sociais.
Lugares que antes eram definidos geograficamente passam a ser definidos através
da classificação de raça” (Maia e Melo, 2020: 233).
Nessa nova estrutura global de poder, a raça surge como elemento
fundamental e imprescindível para validar o poder europeu sobre os demais
povos. A partir da criação do conceito de raça, foram criados e perpetuados
“preconceitos dicotômicos e polarizantes do que é bom
e do que é ruim, do válido e do inválido” (Ibídem:
234).
Além disso, o branco e o negro têm seus futuros predeterminados no
organismo social, uma vez que o futuro do indivíduo é determinado por sua cor
(Maia e Melo, 2020). Neste cenário, o racismo se solidifica como uma espécie de
“ciência” de superioridade euro-cristã (branca e patriarcal) (González, 2020),
promovendo uma internalização quase inconsciente da suposta superioridade dos
colonizadores sobre os colonizados.
A raça, portanto, passou a ser o instrumento mais
eficaz e duradouro para dominação social universal, legitimando todas as
dinâmicas de poder entre colonizadores e colonizados. Entretanto, este elemento
passou a se interligar a outro igualmente abrangente, porém mais antigo: o de
gênero. Nesse sentido, a socióloga argentina María Lugones busca desenvolver a noção de colonialidade
de gênero, a interpretando como uma imposição colonial responsável por criar
hierarquias e antagonismos sociais (Dominguez et al., 2021).
Tal conceito refere-se à imposição de normas de gênero
pelo colonizador sobre as sociedades colonizados, com objetivo de reestruturar
os sistemas gendrados já existentes. Essa imposição
não apenas alterou as relações de poder entre os colonizados, como também
introduziu uma nova camada de hierarquia entre os indivíduos, que persiste até
os dias atuais.
Embora as diferenças de gênero já existissem antes da
chegada dos colonizadores, as práticas
coloniais acentuaram e tornaram estas relações de poder ainda mais complexas e
interligadas (Maia e Melo, 2020).
“A colonialidade refere-se a
um complexo processo que perpassa as mais variadas vertentes da nossa vida. E
uma dessas vertentes de exclusão está no preconceito de gênero, que coloca a
mulher numa posição inferior e de submissão ao homem. Isto se dá em razão de
uma criação da sociedade colonial patriarcal que resultou numa dicotomização que desqualifica a mulher” (Ibídem: 235).
A relações de gênero, portanto, se constituem como “um dos vários níveis
da colonialidade do poder” (Carvalho, 2023: 314),
razão pela qual a filósofa argentina María Lugones discute as noções de colonialidade
a partir das categorias de sexualidade e gênero.
Desse modo, conforme entendimento de Lugones
(2014: 935), a lógica categorial dicotômica e hierárquica é “central para o
pensamento capitalista e colonial moderno sobre raça, gênero e sexualidade”,
conforme se observa a seguir:
“No processo de colonização, além das formas de
classificação baseadas na noção de raça, mencionadas por Aníbal Quijano (2005), teriam sido engendradas categorizações de
gênero. María Lugones
(2007) acrescenta o sistema de gênero colonial na análise da colonialidade do poder. Esse sistema está centrado em uma
estrutura binária e hierárquica, na qual o patriarcado institui práticas de
opressão e a heterossexualidade se caracteriza como modelo de organização da
vida. Por sua vez, a epistemologia feminista branca desconsiderou a intersecção
entre “raça” e gênero, em suas teorías” (Carvalho,
2023: 319).
Assim como a noção de raça, o gênero é uma construção social e histórica
fabricada pelo colonialismo, que impôs papeis sociais eurocêntricos. Com o
surgimento desse novo padrão de poder centrado no Ocidente, novas
classificações sociais emergiram, baseadas em uma estrutura binária de
hierarquia social, sobretudo para as mulheres.
Nesse sentido, Lugones ressalta que, além
desse sistema colonial moderno articular diferentes formas de colonialidade (do poder, do ser e do saber), ele também
intersecciona as categorias de raça, gênero, classe e sexualidade (Lugones, 2007).
Na visão da filósofa argentina, a intersecção entre raça, gênero e
sexualidade é fundamental para compreendermos os efeitos duradouros do
colonialismo na categorização e subalternização de determinados indivíduos e
grupos sociais.
Corroborando neste aspecto, a socióloga argentina María
Lugones (2007: 192-193) afirma:
“A interseccionalidade revela o que não é
visível quando categorias como gênero e raça são conceitualizadas
separadamente. O movimento para intersectar essas categorias foi motivado pelas
dificuldades de tornar visível aquelas/es dominadas/os e vitimizadas/os
nos termos de ambas as categorias. Embora cada um/a na modernidade capitalista
eurocêntrica seja racializado/a e gendrado/a,
nem todos são dominados/as ou vitimizados/as com base
em seu gênero ou raça. [...] É somente quando percebemos o entrelaçamento ou
fusão do gênero e da raça que vemos efetivamente a mulher de cor”.
Assim sendo, tendo em vista o claro recorte de raça, gênero e classe
social que caracteriza o desemprego contemporâneo no Brasil, é mister utilizar
a interseccionalidade, tanto como conteúdo quanto
como ferramenta analítica para compreender esta problemática, uma vez que
permite observar de forma mais profunda o “sistema de opressão interligado” que
nos cerca e debater profundamente os mecanismos de poder existentes na
sociedade (Akotirene, 2019: 15).
A colonialidade de gênero, portanto, exerce
grande influência sobre a identidade e a representação feminina na sociedade,
especialmente no que concerne à imposição de estereótipos, normas de
comportamento, papeis sociais e, sobretudo, na divisão sexual do trabalho.
O colonialismo foi responsável por estabelecer e reforçar normas de
gênero específicas, subordinando mulheres e outros grupos marginalizados dentro
de um sistema articulado de opressões. Tais normas são moldadas por um sistema
de dominação complexo e imbricado, que impacta diversos aspectos da vida
cotidiana.
Dessume-se, portanto, que a colonialidade de
gênero não é apenas fenômeno histórico, mas uma estrutura sofisticada que
continua a influenciar as dinâmicas sociais e econômicas atualmente. Nesse
aspecto, além de reforçar hierarquias sociais e catalisar desigualdades
econômicas e políticas, também temos como produto do colonialismo a
desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Ao longo dos séculos, essa realidade passou por transformações
significativas. Hoje, embora as mulheres estejam cada vez mais inseridas no
mercado de trabalho, ainda enfrentam diversos obstáculos estruturais para
acessar cargos mais elevados e funções de liderança. Apesar dos avanços em
direção à igualdade, essas barreiras continuam a limitar as oportunidades de
ascensão profissional para as mulheres.
Além disso, o índice de desemprego no Brasil afeta predominantemente as
mulheres, revelando que, mesmo com o progresso alcançado, elas ainda enfrentam
maiores dificuldades em comparação aos homens. Essa disparidade no mercado de
trabalho reflete uma persistente desigualdade de gênero que não foi
completamente resolvida com os avanços das últimas décadas.
Nesta pesquisa, exploraremos a questão do desemprego feminino e
analisaremos como ele se relaciona com a colonialidade
de gênero, discutindo de que maneira esta última reitera papeis tradicionais e
limitantes para as mulheres, perpetuando desigualdades sociais e influenciando
negativamente suas oportunidades no mercado de trabalho.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
reunidos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Economia e Estudos
Socioeconômicos), 66,286 milhões pessoas estavam fora da força de trabalho no
4º trimestre de 2023 (Dieese, 2024). Desse montante, 42,839 milhões eram
mulheres, o que corresponde a 64,6% do total (Dieese, 2024: 02). Além disso, o
índice de desemprego entre as mulheres é de 53,3% maior que o dos homens, sendo
que 35,5% dessas mulheres são negras e 18,9% não negras (Ibídem).
Somente no 4º trimestre de 2023, foram registradas 2.865 milhões de mulheres
negras “desocupadas”, correspondendo a uma taxa de desocupação de 11,1% em
comparação às não negras, cuja taxa equivale a 7% de desocupação (Ibídem).
Tais dados reforçam o cenário de desigualdade enfrentado pelas mulheres
no mercado de trabalho. Segundo o DIEESE (2024), mulheres negras são as mais
afetadas pela informalidade, atingindo índices superiores a 48%, além de
concentrarem as maiores taxas de desemprego e a menor média salarial do país.
Essas desigualdades estruturais são resultado da sobreposição de opressões de
raça, gênero e classe. Nesse sentido, dessume-se que essas mulheres ocupam historicamente
posições socialmente marginalizadas e são alocadas majoritariamente em
atividades associadas ao cuidado, à servidão e ao trabalho informal, o que
evidencia a permanência de uma lógica colonial no mundo do trabalho
Diante dos dados supracitados, é possível perceber que o desemprego no
Brasil afeta de maneira mais contundente certas camadas da população, a saber:
mulheres, negras, em situação de vulnerabilidade social, que “ocupam a base de
uma estrutura societária piramidal que admite pouca ou nenhuma mobilidade a
esses sujeitos, ao longo de gerações” (Dias e Almeida, 2021: 10).
Desse modo, a colonialidade de gênero proposta
por Lugones (2007) permite compreender como o
patriarcado colonial não apenas subordinou os povos colonizados, mas também impôs
uma lógica de violência, inferiorização e
subalternização das mulheres, especialmente as mulheres indígenas, negras e
mestiças. Nesse processo, a mulher colonizada foi colocada em um duplo lugar de
opressão: o da racialização e o da inferiorização de gênero, hierarquizada em relação ao homem
branco europeu.
Enquanto o homem colonizado era visto como selvagem ou primitivo, mas
ainda assim como um ser com potencial para ser “domado” ou “civilizado”, a
mulher colonizada era muitas vezes reduzida à condição de objeto sexualizado ou
de servidão. A sexualização e a desumanização dos
corpos femininos racializadas foram, portanto, fundamentais para sustentar a
lógica da dominação colonial, estruturando relações desiguais que se estendem
até a contemporaneidade.
Neste sentido, a colonialidade de gênero
evidencia que a matriz colonial do poder não se limitou à dimensão econômica ou
política, mas penetrou no íntimo das relações interpessoais, na construção das
identidades e na produção dos saberes, moldando o que hoje se entende por
sexualidade, feminilidade e masculinidade.
A interseccionalidade entre raça, gênero,
classe e sexualidade, portanto, emerge como uma ferramenta essencial para
analisar as desigualdades contemporâneas, revelando como a herança colonial se
manifesta nas múltiplas formas de opressão. Conforme destacam Dominguez et al. (2021), a colonialidade
de gênero implica a compreensão de que a opressão colonial deixou marcas
profundas na configuração dos papéis sociais, nas práticas culturais e nas
estruturas políticas e econômicas das sociedades pós-coloniais .Assim,
compreender a persistência da colonialidade e suas
ramificações do gênero é fundamental para propor alternativas de resistência e
emancipação que desloquem os padrões de poder herdados do período colonial –
colonialismo-. Reconhecer essas marcas no presente é o primeiro passo para
desestabilizar as normas eurocêntricas e patriarcais que continuam a sustentar
a desigualdade entre gêneros e entre os povos.
5.2. Precariedade e
reconhecimento: Tensionamentos entre opressões
patriarcais e o alto índice de desocupação feminina no Maranhão
Na sociedade capitalista patriarcal, a mulher, em diferentes momentos do
processo de produção, enfrenta desvantagens econômicas e sociais. Suas funções
são subvalorizadas diante a dominação masculina. Nesse aspecto, Saffioti (1976) nos leva a refletir sobre as transições
entre o modo feudal de produção capitalista, ressaltando que, a partir desse
momento, as classes sociais privilegiadas se consolidam, e a força de trabalho
feminina é explorada nesse novo regime de trabalho. Para a autora, o capitalismo
surge em contextos adversos à realidade da mulher, senão vejamos:
“O aparecimento do capitalismo se dá, pois, em condições extremamente
adversas à mulher. No processo de individualização inaugurado pelo modo de
produção capitalista, a mulheres contaria com uma desvantagem social de dupla
dimensão: no nível superestrutural e tradicional uma subvalorização
das capacidades femininas trazidas em termos de mitos justificadores da
supremacia masculina e, portanto, da ordem social que gerara; no plano estrutural,
à medida que se desenvolveria as forças produtivas, a mulher vinha sendo
progressivamente marginalizada das funções produtivas, ou seja, perifericamente
situada no sistema de produção” (Saffioti, 1976: 18).
No capitalismo industrial da sociedade burguesa, a mulher se torna uma
peça fundamental para o sistema produtivo de bens e serviços altamente
lucrativos. Inicialmente, como mão de obra não remunerada, é útil, mas também
inferiorizada. As mulheres tornam-se instrumento desse processo e,
posteriormente, passam a ser mão de obra assalariada e precarizada
ganhando menos e recebendo os salários inferiores aos dos homens, além de
vivenciarem longos processos de proletarização (Saffioti,
1976).
No Estado do Maranhão, localizado no Brasil, país pertencente ao Sul
Global, essas mulheres enfrentam condições nas quais o capitalismo exerce um
impacto significativo sobre a posição social da mulher, reforçando a divisão
sexual do trabalho, baseado na lógica binária eurocêntrica. O estado do
Maranhão registra aumento nos índices de desalentados, conforme destaca a
reportagem do G1:
“O estado do Maranhão, dentre as 27 UFs,
registrou a segunda maior taxa de desalentados no 4º trimestre de 2023: 11,7%,
atrás somente do Piauí (12,0%). A taxa de desalentados do Brasil no referido
trimestre foi de 3,1%, disse o economista José Henrique Braga Polary, coordenador de Ações Estratégicas da Federação das
Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA)” (G1 Maranhão,16-02-2024).
Neste contexto, as mulheres maranhenses continuam ocupando posições de
subordinação no mercado de trabalho. “Mulheres ocupam apenas 37% das vagas de
emprego no Maranhão em 2023. Das 22.039 vagas geradas no Estado em 2023, elas
ocupam apenas 8.354 das oportunidades (Serra, 12-03-2024)”. Além disso, muitas
fazem parte do aumento do índice de desocupação por gênero, recorrendo a
empregos informais, mas ainda exercendo trabalhos secundários, como babás,
cozinheiras, diaristas, cuidadoras de idosos, vendedoras de cosméticas de
grandes marcas como “Avon e Natura”.
As mulheres exercem atividades
secundárias em empregos mal remunerados, muitas vezes relacionados a funções
vistas como “extensões” do trabalho doméstico, o que representa uma expressão
simbólica do colonialismo. Segundo Saffioti (1976:
13-34), o capitalismo se beneficiou ao naturalizar o papel das mulheres no lar,
fazendo com que as responsabilidades de cuidado permaneçam fora da esfera
pública.
Para Butler (2015: 18-27), certas vidas são
vistas como mais vulneráveis ou descartáveis diante das normas, sendo indignas,
não recebendo reconhecimento social, políticas públicas de gênero que as
favoreçam e, na maioria das vezes, nem condições mínimas de trabalho e
sobrevivência. “O problema não é apenas como incluir mais pessoas nas normas
existentes, mas sim considerar como as normas existentes atribuem
reconhecimento de forma diferenciada” (Ibídem: 29). No Brasil, a exemplo, podemos observar que de
acordo com o IBGE 2024, os índices de mulheres com idade para trabalhar
representam a maioria quando se pensa em trabalho formal, como podemos observar
a seguir:
“Os dados da pesquisa mostraram que as mulheres continuavam sendo
maioria entre as pessoas em idade de trabalhar. No 1º trimestre de 2024, elas
representavam 51,7% dessa população. Acrescenta-se que este resultado foi
similar nos demais trimestres observados. A análise dos dados confirmou, no 1º
trimestre de 2024, uma proporção maior de mulheres em idade de trabalhar em
todas as Grandes Regiões” (IBGE, 2024: 08).
Ainda se observa que “nas Regiões Nordeste, 37,3% das mulheres com idade
para trabalhar apresentam esse percentual de nível de instrução” (Serra,12-03-
2024). Essas mulheres, acometidas por funções secundárias e outras ocupações,
são excluídas de outros espaços e níveis de educação. Butler
(2015), num espectro mais amplo e ético, apontaria que a precarização marca
esses corpos femininos, o que os desumaniza, além de apagar outros corpos que
se encontram na margem e na dissidência, como corpos negros, trans e queer.
Isto é reflexo da divisão social do trabalho.
Neste contexto, os corpos de mulheres em suas multiplicidades não são
reconhecidos, levando-nos a refletir sobre as propostas de políticas de gênero.
Ao refletir sobre as formas de resistência ao modelo patriarcal colonial
maranhense, marcada pela colonialidade de gênero, nos
deparamos com a dicotomia entre ocupação e desocupação dos corpos femininos, os
quais são instrumentalizados e compreendidos dentro das distinções patriarcais
com fissuras burguesas.
Esse processo torna o corpo feminino alvo de disputa política, mas um
corpo em luta, um corpo exposto. É fundamental considerar que as mulheres no
mercado de trabalho estão inseridas em condições desiguais em termos de gênero,
advento do capitalismo e da posição do feminino nesta sociedade de classes (Saffioti, 1976: 17; Butler, 2015:
55-95).
No entanto, elas persistem em múltiplas ocupações. Ainda assim, o
reconhecimento desse corpo permanece condicionado ao poder patriarcal, que está
pautado na hierarquia social, que perpetua opressões e precariedades
direcionadas ao feminino, com impactos profundos, especialmente nas micro
camadas do social. Nas palavras de Butler (2015:
55-99) “[...] o corpo é um fenômeno social; ele está exposto aos outros, é
vulnerável por definição. Sua mera sobrevivência depende de condições e
instituições sociais, o que significa que, para “ser” no sentido de
“sobreviver”, o corpo tem de contar com o que está fora dele”.
Na cena do reconhecimento, para Judith Butler
(Ibídem), os sujeitos emergem na relação, e, nesse
encontro, formula-se um suposto de alteridade, um movimento da ação, em que o
sujeito, na ideia de “ser” outro, permeia as concepções de humanidade. A vida,
categoria problematizada pela filósofa, é pensada no contexto social como uma
ética da responsabilidade.
Como é possível reconhecer um “Outro” ao qual se deve ter
responsabilidade ética, pensando coletivamente em políticas que salvaguardam as
vidas de modo geral? Esse “Outro” deve ser reconhecido como um igual. Assim, se
não se pensam políticas de gênero, com responsabilidade com preocupação pelas
vidas de múltiplas de todas as mulheres, produz-se uma violência ética.
Quando se pensa em mulheres vistas como “desocupadas” e isto não é
considerado um problema social - mulheres não têm opções porque o mercado de
trabalho formal capitalista as exclui - , quando essa exclusão não nos gera
comoção ou resposta política, ou mesmo quando os trabalhos informais realizados
por mulheres são vistos como improdutivos, isso resulta em exclusão de acessos
mais básicos, proteção legal e direitos trabalhistas, gerando sofrimento e
perda de vidas que, simbolicamente, não são consideradas vidas, como as de
mulheres trans, não-binárias ou
LGBTQIAPN+ (Butler, 2015).
As políticas locais, não mobilizam, ou não tem olhado para esta
mulheres, colocando –as em xeque. Já que estas localizam-se no estado mais
empobrecido da federação brasileira, como repensar estes corpos na política
local? Como reconhecer tais vidas, como vivíveis neste cenário maranhense?
Ao pensarmos com Judith Butler (2015), a precariedade emerge no discurso, na
relação, como uma ação. Os sentidos que compreendemos numa linguagem universal
mostram que as mulheres são representadas por uma produção que emerge de uma
ideia política de condições iguais no trabalho. No entanto, a sociedade atual
se encontra condicionada a um discurso capitalista e utilitarista que
desvaloriza as mulheres e de seus manejos em prol de sua subsistência.
Nos é afirmado que a precariedade conduz à potencialização da violência
e ao aumento dos índices de vulnerabilidade, e o que se expande para cenários
de guerra, nas microrrelações do poder. Neste
trabalho, extraímos reflexões sobre os direitos daqueles que sequer aparecem ou
são reconhecidos, ou quando os direitos não os contemplam. “Contudo, quero
demonstrar que, se queremos ampliar as reivindicações sociais e políticas sobre
os direitos à proteção e o exercício do direito à sobrevivência corporal, o desejo,
o trabalho e as reivindicações sobre a linguagem e o pertencimento social” (Butler, 2015: 14), é necessário pensar essas estruturas.
Assim, Butler (2015) sugere que a precariedade
se afirma no não reconhecimento de algumas vidas. Quando uma vida não é
reconhecida como vida, temos também um problema ontológico. Cabe-nos, então,
refletir e questionar: quais os caminhos para que a vida das mulheres se
enquadre em formatos mais vivíveis, sem as condições fissuradas pelos rasgos
sociais e trabalhistas em suas formas de poder? Enquadrar as vidas das mulheres
maranhenses é essencial.
Ao pensar nas guerras como um movimento de
precariedade, de subsistência corporal, de pertencimento social, algumas vidas
não seriam invisibilizadas, silenciadas ou apagadas dos processos políticos e
sociais. “Como, então, as condições de ser reconhecido deve ser entendida? Em
primeiro lugar, ela não é uma qualidade ou uma potencialidade de indivíduos
humanos” (Ibídem: 18).
Quando se pensa nas mulheres maranhenses, observar os índices de
desocupação exige uma análise da precariedade do reconhecimento de suas vidas e
condições de trabalho. Essas mulheres são impactadas nas estruturas sociais que
fissuram suas oportunidades e direitos, afetando sua inserção no mercado de
trabalho, ou simplesmente excluindo-as por completo.
Neste cenário, exposto pelos índices, são refletidas as formas de
invisibilidade e exclusão que Butler (2015) aponta,
onde muitas dessas vidas não são reconhecidas e consideradas “ocupadas” ou até
mesmo como mulheres trabalhadoras. O reconhecimento não acontece de maneira
plena, tanto no campo social quanto no laboral, resultando na vulnerabilidade
socioeconômica.
Por fim, há uma guerra constante na tentativa de controlar os corpos das
mulheres, por mecanismo sofisticado de poder patriarcal e capitalistas que as
marginalizam e desumanizam são institucionalizados nas políticas trabalhistas,
sendo possivelmente visíveis nos altos índices de desemprego, que refletem a colonialidade como resquícios de uma estrutura colonial que
perpetua formas de opressão. Portanto, a análise da precariedade no Maranhão, à
luz das teorias de Saffioti e Butler,
revela como as mulheres maranhenses, especialmente aquelas em situação de
vulnerabilidade econômica, são marginalizadas não apenas pela estrutura
patriarcal, mas também pela colonialidade de gênero.
A falta de acesso a direitos básicos e subordinação no mercado de trabalho
refletem uma exclusão sistemática, que resulta em um ciclo contínuo de
opressão. As estratégias de resistência, no entanto, mostram a força das
mulheres em afirmar sua identidade e lutar por reconhecimento em um contexto
profundamente desigual.
6. Considerações Finais
Dessume-se, portanto, que é essencial compreender a colonialidade
de gênero como um fator determinante na perpetuação das desigualdades
estruturais que impactam as mulheres no mercado de trabalho, especialmente no
estado do Maranhão. Ao longo do estudo, evidenciou-se que o desemprego feminino
reflete uma herança colonial que se manifesta por meio de preconceitos de
gênero e raciais profundamente enraizados, que continuam a marginalizar as
mulheres, especialmente as negras, nos espaços de trabalho.
A análise realizada destaca que o conceito de “desocupadas”, aplicado às
mulheres fora do mercado formal, invisibiliza o trabalho informal e não
remunerado, setores nos quais essas mulheres atuam significativamente. Essa
categorização reflete a falta de reconhecimento social e político que reforça a
precarização das condições de trabalho das mulheres. Assim, ao questionar as
terminologias e evidenciar as estruturas de opressão que se interligam entre
raça, gênero e classe, o estudo contribui para uma compreensão mais crítica e
inclusiva do desemprego feminino e dos desafios enfrentados para a igualdade no
mercado de trabalho.
Nesse sentido, os teóricos Aníbal Quijano
(2005) e Maria Lugones (2014) apresentam as
perspectivas fundamentais para compreender as desigualdades de gênero e o
desemprego feminino no contexto da colonialidade,
especialmente em regiões como o Maranhão. Quijano,
introduz a “colonialidade do poder” para explicar
como as estruturas coloniais dividiram o mundo entre europeus e não-europeus,
estabelecendo assim uma matriz de dominação que continua a impactar as
hierarquias sociais, raciais e de gênero. No estado do Maranhão, constatam-se
os índices que excluem sistematicamente mulheres racializadas, que são
condicionadas a posições mais baixas de remuneração e alta precariedade.
Além disso, Maria Lugones (2014) expandiu a
análise para “colonialidade de gênero”, apontando que
a opressão colonial não só produziu hierarquias raciais, mas reinventou o
patriarcado, impondo uma divisão de gênero eurocentrada
sobre as sociedades colonizadas. Assim, este sistema redefine o “ser” mulher. A
colonialidade de gênero nos permitiu compreender o
desemprego feminino maranhense e as continuidades das violências sobre as
mulheres.
Heleieth Saffioti (1976), oferece uma leitura teórica e histórica
para analisar as desigualdades de gênero e o aumento do desemprego,
especialmente no contexto de estados como o Maranhão, considerado o mais
empobrecido da federação. A autora argumenta que as relações de gênero são
estruturadas de modo a perpetuar as opressões sociais, reflexo da estrutura
patriarcal pautada na divisão social do trabalho.
Judith Butler (2015) tensiona
o campo das teorias de gênero e nos ajuda a refletir sobre como as normas
sociais e políticas moldam a subjetividade e restringem a agência das mulheres
maranhenses. Seu conceito de “guerras” ou batalhas para existir e conquistar
direitos e melhores condições de trabalho e ocupação serve como uma metáfora
potente para entender o desemprego como uma forma simbólica e material de
violência estrutural e de não reconhecimento dos mecanismos de desumanização.
Conclui-se, portanto, que o enfrentamento dessas desigualdades exige não
apenas políticas públicas inclusivas, mas também uma revisão crítica das
estruturas sociais que mantêm as mulheres em posições de vulnerabilidade e
invisibilidade, reafirmando a necessidade de um compromisso coletivo para
superar as barreiras impostas pela colonialidade de
gênero.
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Disponível em: https://imirante.com/noticias/maranhao/2024/03/12/mulheres-ocuparam-apenas-37-das-vagas-de-emprego-no-maranhao-em-2023#:~:text=maranh%c3%83o%20%2d%20as%20mulheres%20ocuparam%20apenas,no%20estado%20foi%20de%2022.039 [20/09/2024].
[1] “Este trabalho
foi originalmente apresentado
no I Encontro de Gênero do Gaep - Gênero Para Além Das Fronteiras – Tendências Contemporâneas na
América Latina e no Sul Global: https://gaepgenero.shcomunicacao.com.br/ , e sofre alterações; e aprimoramentos após sua apresentação”.